Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Dança

- Publicada em 08 de Agosto de 2023 às 18:39

Espetáculo 'Rinha' surge para subverter e atualizar a maldição da Mula Sem Cabeça

A bailarina Janaína Ferrari revisita a fábula brasileira da Mula sem Cabeça em Rinha, primeiro espetáculo solo do Coletivo Grupelho, que cumpre temporada no CHC Santa Casa

A bailarina Janaína Ferrari revisita a fábula brasileira da Mula sem Cabeça em Rinha, primeiro espetáculo solo do Coletivo Grupelho, que cumpre temporada no CHC Santa Casa


ROBERTA FOFONKA/DIVULGAÇÃO/JC
Como castigo divino, a mulher amaldiçoada se transforma em mula. Um ser que, mesmo reconhecido pela ausência da cabeça, regurgita pelas ventas o fogo do inferno. Tal criatura não relincha mas geme, como um ser humano. Solo de dança de Janaína Ferrari, dirigido por Roberta Fofonka, Rinha revisita a fábula brasileira da Mula sem Cabeça para propor uma versão contemporânea da história. O mesmo animal fantástico responderia aos mesmos pecados hoje?
Como castigo divino, a mulher amaldiçoada se transforma em mula. Um ser que, mesmo reconhecido pela ausência da cabeça, regurgita pelas ventas o fogo do inferno. Tal criatura não relincha mas geme, como um ser humano. Solo de dança de Janaína Ferrari, dirigido por Roberta Fofonka, Rinha revisita a fábula brasileira da Mula sem Cabeça para propor uma versão contemporânea da história. O mesmo animal fantástico responderia aos mesmos pecados hoje?
A estreia deste que é o primeiro espetáculo solo do Coletivo Grupelho acontece nesta quinta-feira (10) e as sessões seguem na sexta-feira (11) e também no sábado (12) e no domingo (13), sempre às  20h, no teatro do Centro Histórico-Cultural (CHC) Santa Casa (Av. Independência, 75). Os ingressos custam R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia entrada) e estão à venda pela plataforma Sympla.
Vencedora do prêmio Açorianos de Dança 2022 na categoria Intérprete Destaque, Janaína Ferrari é dançarina, coreógrafa e professora licenciada em Dança desde 2017.  Ela conta que projetava estrear seu primeiro solo em 2020, mas o desejo foi adiado por conta da pandemia de Covid-19. Adiado, mas não descartado. Pelo contrário. "Resolvemos começar a fazer algo em vídeo e começamos a pesquisar algumas estéticas, trabalhando de forma remota", comenta a artista. "Após realizamos a pesquisa coreográfica e conceitual; aconteceram os desdobramentos, com a Janaína fazendo movimentações e imagens, enquanto eu ajudava a escolher o que funcionava", complementa Roberta, que também é bailarina e, neste projeto, estreia como diretora.
O trabalho marca uma fase de expansão do Coletivo Grupelho para outros formatos de criação cênica, explicam as artistas, emendando que, tradicionalmente, os espetáculos do grupo são feitos a partir da metodologia de direção horizontal entre seus cinco integrantes. Os ensaios presenciais deste novo projeto só aconteceram este ano, em julho, depois que Rinha foi selecionado no edital de Incentivo à Montagem de Novos Espetáculos do CHC Santa Casa.
Por conta disso, segundo a diretora do espetáculo, os encontros da dupla - que conta, ainda, com a parceria de Patrícia Nardelli executando a trilha sonora em cena - passaram a ser diários e intensivos. Ela faz sons com a voz, acompanhando o movimento rebote de Janaína, que se expressa num jogo coreográfico de perguntas e respostas, dança e gemidos, onde também há espaço para improviso. Tanto a trilha sonora, quanto a iluminação, perseguem a bailarina em cena. "Se ela improvisa, dilatando ou adiantando uma cena, a Patrícia acompanha, de acordo com o que está sendo proposto no momento. É um trabalho complexo, que exige muita presença e relação de ambas", afirma Roberta. 
"Rinha segue nossa linha de trabalho, que tem bem forte a pesquisa e investigação de possibilidades corporais - tem essa raiz experimental, de testar nossos desejos. É um trabalho bem processual, mesmo que de cara não faça nenhum sentido", emenda a bailarina. Já a diretora reforça o olhar crítico que o espetáculo propõe sobre as referências misóginas presentes na cultura popular, buscando uma "atualização" da história da mula, de modo que possa ser contada a partir de uma nova ótica. "Nas diferentes versões da lenda, o fio condutor da narrativa é o castigo divino que uma mulher recebe por ter, supostamente, seduzido um padre. No entanto, não era ela quem vivia em celibato", observa Roberta. "Trata-se de um mito de restrição do feminino, que povoa bases importantes da nossa cultura, repassada, inclusive, nas escolas."
O desafio que se impõe no espetáculo, segundo as artistas, é como recontar uma história do imaginário popular e partir de novas referências, novos paradigmas que de fato afetam a vida das mulheres e demais pessoas do espectro da diversidade, que são diretamente impactadas pelos signos misóginos da sociedade. "Esse projeto está sendo pensado há muitos anos, embora eu não soubesse onde ele iria parar. A mula sempre esteve muito perto do meu imaginário, e por ser um projeto muito pessoal, apresentar este solo é como contar um segredo. Trazer à superfície um desejo muito profundo de um lugar revoltoso do corpo, explorar uma auto imagem monstruosa que tem a oportunidade de vir à tona no espetáculo", destaca Janaína. 
Para criar a figura de um quadrúpede sem cabeça, a bailarina tem que lidar não somente com uma estrutura coreográfica que se utiliza de diversos níveis, mas também dar conta da sobrecarga no pescoço: ela dança com os cabelos na frente do rosto durante os 40 minutos de espetáculo. O resultado é um corpo que dá a ideia de um ser que não se sabe bem se é mulher, bicho ou coisa.