Depois de almoçar no Tudo pelo Social e postar na sua conta do Instagram uma foto em frente ao Joia Sorvetes, dois estabelecimentos tradicionais da Capital gaúcha, o rapper paulista Emicida estava pronto para fazer tremer o auditório do Araújo Vianna na primeira das duas noites do show AmarElo, neste sábado (1º), em Porto Alegre. E tremeu do início ao fim do show, que durou cerca de duas horas. Os lugares marcados do auditório serviram apenas à título de convenção, porque a plateia, que se levantou para aplaudir o rapper na primeira canção – A Ordem Natural das Coisas – ficou em pé até o bis, com a canção Passarinhos, do álbum Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015).
No auditório lotado, o público em êxtase e emocionado não foi o único a quebrar protocolos, e, no meio do show, Emicida também pediu licença para deixar o palco, interagir com a plateia, tirar fotos e até assinar o livro de um menino que segurava um exemplar do cantor nas mãos. Sentindo-se completamente em casa, ele enalteceu pontos turísticos da cidade e chegou a dizer “Minha Porto Alegre”, além de relembrar sua passagem pelo Opinião e pelo Araújo. “Há quanto tempo a gente não se encontra, Porto Alegre? Obrigado por terem me esperado, meus amigos”, disse antes de iniciar Quem tem um amigo tem tudo – parceria com Zeca Pagodinho, segunda música do show.
Boas energias, mas com momentos de protesto
Emicida veio a Porto Alegre divulgar seu mais recente álbum, 'AmarElo', grande sucesso de público e crítica
ISABELLE RIEGER/JC
Essa foi a primeira vez que Emicida apresentou AmarElo na Capital. Depois de contagiar o público com a calma e beleza do refrão de A Ordem Natural das Coisas (O sol só vem depois / é o astro rei, ok / mas vem depois), foi a vez de É tudo pra Ontem, uma parceria com Gilberto Gil, e depois Pequenas Alegrias da Vida Adulta. O show, que começou com as músicas mais “vibes” do artista, logo apresentou também as músicas de protesto contra a realidade violenta e racista brasileira, como foi o caso com os versos de Ismália: 80 tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo / Quem disparou usava farda (Mais uma vez) / Quem te acusou nem lá num tava (Banda de espírito de porco) / Porque um corpo preto morto é tipo os hit das parada: Todo mundo vê, mas essa p* não diz nada.
Mas, se por um lado, houve espaço para falar e combater esse passado e presente nefastos, por outro, o show também foi um grito de esperança em um país mais justo e igualitário, que reconhece a potência da diversidade e da presença negra e acredita num futuro de dignidade para todos. Na oportunidade, Emicida ressaltou diversas personalidades negras brasileiras e do Rio Grande do Sul, entre elas o compositor Pixinguinha, o poeta Oliveira Silveira e o cantor Lupicínio Rodrigues. “O Rio Grande do Sul não é só a imagem da colonização alemã e italiana. Tem muito batuqueiro no Sul que eu sei”, reforçou. E para representar a nova geração de talentos do rap gaúcho, Emicida chamou ao palco para participação especial a rapper Cristal, que cantou Ashley Banks.
Mas, se por um lado, houve espaço para falar e combater esse passado e presente nefastos, por outro, o show também foi um grito de esperança em um país mais justo e igualitário, que reconhece a potência da diversidade e da presença negra e acredita num futuro de dignidade para todos. Na oportunidade, Emicida ressaltou diversas personalidades negras brasileiras e do Rio Grande do Sul, entre elas o compositor Pixinguinha, o poeta Oliveira Silveira e o cantor Lupicínio Rodrigues. “O Rio Grande do Sul não é só a imagem da colonização alemã e italiana. Tem muito batuqueiro no Sul que eu sei”, reforçou. E para representar a nova geração de talentos do rap gaúcho, Emicida chamou ao palco para participação especial a rapper Cristal, que cantou Ashley Banks.
"Seremos livres se nos deixarem a música!"
Show de Emicida contou com a participação da rapper Cristal e citações de Noémia de Sousa e Belchior
ISABELLE RIEGER/JC
Perto das 22h, a banda tocou a música que dá nome ao álbum, AmarElo, e fez o público cantar alto com a mixagem de Sujeito de Sorte, do cantor Belchior: Presentemente eu posso me / Considerar um sujeito de sorte / Porque apesar de muito moço / Me sinto são e salvo e forte / E tenho comigo pensado / Deus é brasileiro e anda do meu lado / E assim já não posso sofrer no ano passado. Já a música Principia foi uma das últimas a serem apresentadas por Emicida, logo depois de recitar o poema Súplica, da moçambicana Noémia de Sousa. “Podem desterrar-nos, levar-nos para longes terras, vender-nos como mercadoria, acorrentar-nos à terra, do sol à lua e da lua ao sol, mas seremos sempre livres se nos deixarem a música!”
Rapper paulista demonstrou estar à vontade, interagindo bastante com o público da Capital
ISABELLE RIEGER/JC
O público também pode relembrar, ainda, outros hits mais antigos do rapper como Boa Esperança (2015), Hoje Cedo (2013), A Chapa é Quente (2018) e Levanta e Anda (2014). Encerraram o show as músicas Gueto (2013) e Libre (2019). Como se Emicida não quisesse ir embora, o bis, ao som de Passarinhos, durou mais de 20 minutos, terminando a apresentação com a mesma leveza e bom humor do início e com direito à “competição de quem cantava com mais empolgação” entre as seções. O público, que certamente não queria ir embora, entrou na onda e entoou “Passarinhos / soltos a voar dispostos / e a achar um ninho / nem que seja no peito um do outro” uma dezena de vezes. “Vou falar mais uma vez, que noite f*, Porto Alegre!”, se despediu o cantor.