Um novo templo para as artes cênicas abre as portas em Porto Alegre nesta segunda-feira. Trata-se do Teatro Oficina do Multipalco Eva Sopher (Riachuelo, 1.089), que até o dia 31 de março abrigará programação artística especial, seguida de temporada do espetáculo Esperando Godot, que ocorre durante todos os finais de semana de abril. A cerimônia de inauguração do espaço acontece às 18h, em evento fechado para convidados, antecedido por uma visita guiada ao complexo cultural.
Com a finalização das obras financiadas a partir de R$ 7,5 milhões injetados pelo Projeto Avançar na Cultura do governo do Estado, o Multipalco também passa a contar com outras estruturas: um conjunto de camarins, com banheiros e chuveiros, inclusive para pessoas com necessidades especiais; uma sala multiuso para cursos e outras atividades; uma sala de dança e uma sala de circo, ambas destinadas para aulas práticas, ensaios e criação de obras. "Todos os espaços cênicos têm pisos flexíveis - com pequenas borrachas entre o concreto e o assoalho, como se fossem molas", destaca o presidente da Fundação Theatro São Pedro (TSP), Antônio Hohlfeldt.
Com exceção da programação de segunda-feira, o restante das atrações artísticas que celebram o novo espaço está com ingressos à venda no site do Theatro São Pedro. Denominada Festival Teatro Oficina, a série de apresentações contará com o espetáculo Macbeth in Pop: Guerras Urbanas! (às 19h desta terça-feira); Sarau do Solar Especial com recital do pianista de blues Luciano Leães (às 18h de quarta-feira); o lançamento do livro F.A.C.A.S., organizado por Alfredo Aquino, e a vernissage da exposição Fronteira, com fotografias de Elis Vasconcellos (ambos às 18h de quinta-feira); e o show Canciones que Nacen del Camino, com Martim César e Oscar Massita, do Duo Copla Alta (às 19h de quinta-feira).
Espaço alternativo, com capacidade para 120 espectadores e três diferentes tipos de composições para a plateia, o Teatro Oficina é, ainda, o local onde acontece a estreia da nova peça do diretor Luciano Alabarse, Esperando Godot, encenada somente por mulheres. Clássico de Samuel Becket, o texto é considerado um dos pilares do Teatro do Absurdo e a principal obra do dramaturgo irlandês. "Becket é sempre um desafio, ele é um dos autores essenciais do teatro contemporâneo", avalia Alabarse. "Eu já assisti inúmeras versões desta peça, que, ao meu ver, é uma das mais importantes do século XX; e li várias vezes o texto antes de dar a ela o meu olhar."
Após intensa pesquisa e meses de ensaio, o diretor responsável pela adaptação do espetáculo destaca o valor do time feminino que sobe ao palco. "As atrizes - todas muito experientes - colaboraram com a versão final", afirma Alabarse. Ele comenta que a ideia de realizar a montagem partiu da atriz Sandra Dani, sua amiga pessoal e com quem já trabalhou outras tantas vezes. Além de Sandra (no papel de Estragon), estão em cena as atrizes Janaína Pellizon (Vladimir), Arlete Cunha (Pozzo), Lisiane Medeiros (Lucky) e Valquíria Cardoso (Menino). Dividida em dois atos, a peça que estreia no dia 31 de março e segue em cartaz de sextas a domingos, sempre às 19h, até o dia 30 de abril, já está com ingressos a venda pelo site do TSP, de R$ 20,00 (meia-entrada) a R$ 40,00 (inteira).
Esperando Godot, como não poderia deixar de ser, acaba sendo a obra mais conhecida de Beckett. Sua estreia aconteceu em Paris, em 1953, mesmo ano do nascimento de Alabarse. "É um prazer trabalhar com um autor que não é fácil, que tem uma carga grande de informação. A gente estudou muito para chegar em um resultado que não seja uma mera repetição de rubricas já dadas", pontua o diretor. "Peguei a liberdade que o próprio autor se deu, quando passou a dirigir suas peças, para fazer inserções cênicas na nossa montagem - que, por sinal, é muito artesanal", revela.
Imersos em uma região desértica, cortada por uma estrada abandonada, os personagens revelam suas necessidades e agonias. Sem acontecimentos relevantes ou perspectivas de mudança, dedicam-se a passar o tempo esperando Godot, que ninguém sabe exatamente quem é, e que adia sucessivamente o encontro. Além da atuação do elenco, que é a principal aposta da direção, a ambientação do espetáculo deve chamar a atenção para um tema cada vez mais atual, que é o estado do planeta após anos de descaso e poluição.
"O cenário é desértico, mas não asséptico. Considerando as águas dos rios e dos mares poluídas, toneladas de lixo tóxico empesteando a natureza, desertos transformados em depósitos de resíduos e detritos, a sujeira que nos cerca está ali presente", resume Alabarse, que assina também a cenografia e pesquisa de trilha sonora do espetáculo. A peça ainda conta com figurinos de Zé Adão Barbosa, assistência de direção e preparação corporal de Ângela Spiazzi, iluminação de Maurício Moura e João Fraga e produção de Jaques Machado.
Rodeados de lixo e vivendo neste deserto, os personagens de Esperando Godot se comunicam com frases curtas, promovem inúmeros momentos de silêncio, e "brincam" com o tempo enquanto esperam uma salvação para suas vidas "infernais". Além deles, a plateia ainda perceberá a "presença" de vozes (analógicas), que, segundo Alabarse, são uma referência às vítimas de genocídios e guerras presentes na história da humanidade. "Tudo neste espetáculo é muito sofisticado, nada é óbvio. É como uma cebola, com muitas camadas, sempre com significados. Mas quando se chega no meio, não há nada. Isso é Becket."