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Cultura

Artes Cênicas

- Publicada em 20 de Março de 2023 às 00:35

A acidez poética da Cia. Teatrofídico

Grupo encabeçado pelos diretores Renato Del Campão e Eduardo Kraemer comemora 20 anos de estrada com espetáculos, leitura dramática e oficinas

Grupo encabeçado pelos diretores Renato Del Campão e Eduardo Kraemer comemora 20 anos de estrada com espetáculos, leitura dramática e oficinas


/Pedro Mendes/Divulgação/JC
Somando duas décadas de atividades, onde constam pelo menos 17 peças no currículo, a Cia. Teatrofídico adentra o mês de março de 2023 levando à cena um de seus dois espetáculos mantidos em repertório, além de uma leitura dramática, que conta com encenação, cenário, iluminação e trilha sonora. O coletivo encabeçado por seus fundadores, Renato Del Campão e Eduardo Kraemer, também deve realizar nova montagem, baseada em um clássico de Eugène Ionesco, cujo processo está previsto para iniciar em abril.
Somando duas décadas de atividades, onde constam pelo menos 17 peças no currículo, a Cia. Teatrofídico adentra o mês de março de 2023 levando à cena um de seus dois espetáculos mantidos em repertório, além de uma leitura dramática, que conta com encenação, cenário, iluminação e trilha sonora. O coletivo encabeçado por seus fundadores, Renato Del Campão e Eduardo Kraemer, também deve realizar nova montagem, baseada em um clássico de Eugène Ionesco, cujo processo está previsto para iniciar em abril.
É justamente com as apresentações destes trabalhos que o grupo deve celebrar seus 20 anos de estrada. O pontapé inicial das comemorações ocorreu na última semana, com uma sessão da peça Deus me Live de Você, comédia escrita e protagonizada por Renato Del Campão, que estreou no ano passado. Dirigida por Eduardo Kraemer, que também assina a produção e a iluminação deste e dos demais espetáculos do grupo, a montagem conta ainda o ator João Petrillo no elenco. 
Criada em 2020, em um exercício de distração e de pesquisa durante o período de isolamento social, por conta da pandemia de Covid-19, a encenação conta a história de Dona Nair, uma idosa depressiva que vive sozinha em um apartamento, cercada de lembranças de seu filho desaparecido, Caio César, ausente desde a morte do pai. Sua angústia, que só é amenizada pelo gato Bolinha - um boneco confeccionado por ela mesma para driblar a solidão - é acirrada pela ilusão do seu televisor.  Até que um dia, o filho da protagonista reaparece. Uma segunda sessão do espetáculo está agendada para esta quarta-feira (22), às 21h, dentro do Projeto Espaçonave (produzido pela companhia desde setembro de 2021), no Bar Ocidente (avenida Osvaldo Aranha, 960, Bom Fim). Os ingressos estão à venda no site Entreatos Divulga.
Recheadas de humor ácido e nonsense, as falas venenosas de Dona Nair revelam uma personalidade que duela entre um ego opressor e, ao mesmo tempo, oprimido. "A maioria dos nossos trabalhos tem a temática da opressão, da dificuldade de comunicação entre oprimido e opressor", pontua Del Campão. Ele destaca outra montagem da companhia, que ficou em cartaz por 12 anos, e circulou por todo o Estado: "Em Apareceu a Margarida, a protagonista é uma professora agressiva, austera e dominadora, mas também frágil. Ela usa uma casca de torturadora para se defender, uma vez que também se sente oprimida pelo sistema, pelos alunos desinteressados, e por uma série de coisas pessoais mal resolvidas", explica o ator, que interpreta a personagem. Também nesse espetáculo, é Kraemer quem assina a direção, a exemplo da grande maioria das peças do grupo.

"De fato, com algumas exceções, a gente sempre acaba falando de opressão em nossos trabalhos. Muitas vezes, a escolha é conscientemente; em outras, não pensamos, mas acabamos sendo levados a isso", observa o diretor do Teatrofídico. "Quando se tem um olhar crítico, é impossível não enxergar as situações de opressão que acontecem o tempo todo no nosso dia a dia", emenda.  "Ainda que a gente se proponha a falar de uma tragédia, o humor sempre aparece em nossos espetáculos", pondera Del Campão. "Por isso, muitas vezes a plateia acaba rindo do absurdo em cena, ainda que nada seja apresentado de forma rasa ou superficial; bem no estilo do termo 'seria cômico, se não fosse trágico: rir com certo nervosismo até dos problemas mais pesados." 
Neste sentido, até mesmo o espetáculo Cadarço de Sapato ou Ninguém está Acima da Redenção (2015), que, segundo Kraemer, foi um "divisor de águas" na linguagem cênica do grupo, poderia arrancar algumas risadas (bem pontuais e raras) dos espectadores, opina Del Campão. Incrementando o trabalho físico dos atores com a oralidade poética dos textos - sobre depressão e suicídio -, o espetáculo baseado na vida e obra da dramaturga inglesa Sarah Kane impactou o público e rendeu quatro prêmios para o Teatrofídico à época. Além desta autora, muitos outros nomes inspiraram as montagens do grupo: desde Caio Fernando Abreu e e Clarice Lispector até Tennessee Williams e Luis Buñuel.
Entre os espetáculos mais recentes da companhia, Os males do fumo (2018), do dramaturgo e escritor russo Anton Tchekhov, novamente traz à tona um homem oprimido, interpretado por Petrillo, sob a direção de Del Campão. Com a temática do tabagismo como pano de fundo, o solo teatral revela as angústias e conflitos do personagem, em um tom de tragicomédia, e deve voltar a cartaz na próximas edições do Projeto Espaçonave.
A iniciativa, que promove diversas atrações de teatro, dança e música no Bar Ocidente, também será espaço de apresentação da leitura dramática A Peça Escocesa, baseada em Macbeth, uma das tragédias mais conhecidas do dramaturgo inglês William Shakespeare. A empreitada cênica, que conta com Thuanie Cigaran e João Petrillo no elenco, dirigidos por Kraemer, deve virar espetáculo, mas antes disso ainda será apresentada no atual formato, e já tem uma sessão agendada para ocorrer às 21h do dia 29 de março, no no Bar Ocidente.   
Outra atividade agendada pelo grupo é a Oficina do Oprimido - Técnica Teatro do Oprimido Augusto Boal, que será ministrada por Del Campão no espaço La Photo/ Via Trastevere (Travessa da Paz,44, bairro Farroupilha), entre os dias 11 de abril e 23 de maio (nas terças e quintas-feiras, das 19h às 21h30min). "Iremos montar uma transgressão da peça O Senhor Puntila e o Seu Criado Matti, escrita em 1940, por Bertolt Brecht", adianta o ator e diretor. 
Desde 2004, quando estreou com a montagem de Jogos na Hora da Sesta, pela qual Kraemer recebeu o Troféu Açorianos de Melhor Iluminação, a linguagem do Teatrofídico vem se tornando cada vez mais híbrida, misturando teatro, dança e audiovisual. "E a ideia é fazer isso cada vez mais", adianta o diretor. Ele destaca que um dos períodos mais produtivos da companhia foram os dez anos em que o Teatrofídico foi residente no projeto Usina das Artes, que agregava diversos grupos das artes cênicas, em espaços próprios na Usina do Gasômetro.
Ao enumerar três peças "significativas" que foram construídas neste período, ele avalia que os principais pontos de mudança do coletivo ocorreram durante a construção de O Anjo Exterminador (2007), cujo processo de criação durou dois anos (tempo recorde de ensaio do grupo); seguida do sucesso de Apareceu a Margarida, a peça com carreira mais longa da história do coletivo; culminando em Cadarço de Sapato..., que rendeu os Prêmios Açorianos de Teatro nas categorias de Melhor Direção, Melhor Ator (Del Campão) e Melhor Cenografia (Alexandre Navarro) e indicações nas categorias de produção e espetáculo. Pelo mesmo espetáculo, Kramer também recebeu o Prêmio Braskem de Melhor Direção no 23º Porto Alegre em Cena, em 2016. 
"Depois disso, houveram outros espetáculos, mas com um ou dois atores em cena. O próximo (O Rinoceronte, de Ionesco) terá mais pessoas no elenco, e então será um desafio nesse sentido: como fazer algo que revolucione a forma como o grupo faz teatro?. É um questionamento que me faço, mas eu ainda não tenho uma resposta", comenta o diretor.