"Livre." Foi o que respondeu Felipe, quando perguntado como se sentia após ver um ensaio da peça Eu de você, da atriz Denise Fraga. A história de Felipe é uma das que são levadas para cima do palco pela artista, que mistura a vida real, a poesia, a música e a literatura em um monólogo que está de volta à Capital, integrando a programação da nova etapa do Porto Alegre em Cena.
Eu de você foi idealizada e criada por Denise Fraga, pelo produtor José Maria e pelo diretor Luiz Villaça e chega ao palco do Salão de Atos da Pucrs (avenida Ipiranga, 6.681) nesta quinta e sexta-feira. A obra estreou em Porto Alegre em 2019 e volta à cidade na turnê que celebra os 35 anos da atriz.
A peça nasceu da vontade de Denise de contar histórias da vida real, de costurar o cotidiano à arte, de "olhar com os olhos do outro, trilhar o que o outro trilhou, vestir os seus sapatos", como explica a própria atriz. Eu de você permite ao público ser atravessado pela vida do outro. É um exercício de se enxergar em outras pessoas, outras dores, outras alegrias - porque, afinal, somos as pontes que construímos entre cada um de nós.
Mais de 300 cartas enviadas à artista foram a matéria-prima da peça. Nelas, as pessoas contam suas histórias, que, nas mãos de Denise, se tornaram arte. Se debruçando sobre as palavras dos remetentes e grifando as partes que mais a tocavam, Denise e uma dezena de criadores foram tecendo aquela colcha de retalhos. "Eu pego histórias simples de algumas pessoas e embrulho num papel de presente da poesia, da música, então devolvo ao público essas histórias sob o holofote da arte", reflete a artista.
Apesar de ser um monólogo, a atriz nunca fica sozinha no palco: traz consigo todas aquelas centenas de histórias, ao mesmo tempo em que faz o público se sentir na cena também, ao se identificar com aquelas vidas. "É como se ninguém passasse impune, todo mundo é tocado. Essas histórias trazem o que nos une", comenta.
Quando a arte nos expõe dores e sentimentos que achamos afetava só a nós mesmos, nos sentimos menos sozinhos. No monólogo da nossa subjetividade, é bom que sintamos que há algo maior que nos conecta. Quando ouvimos aquela música do Chico ou lemos aquele poema do Drummond, nós temos o conforto de saber que outra pessoa já sentiu o mesmo que nós. "Quem lê Dostoievski e Fernando Pessoa, sofre mais bonito. Porque sofre com a cumplicidade dos poetas, sofre acompanhado da arte", diz a atriz. "Uma das pulsões da arte é superar as solidões que são comuns a todos nós".
Livre é a forma como Denise Fraga quer que todo mundo se sinta ao assistir à peça. Livres do exílio da dor, livres da solidão conjunta, livres do ordinário do dia a dia. "A vida não pode ser isso aqui — uma parede, copo, caneta. A vida é maior que isso. A arte existe para livrar a gente da mediocridade dos dias, a vida cotidiana é uma prisão", reflete. Ao nos enxergarmos no palco e no outro, percebemos que a vida nos tece com a mesma linha e que ela é maior do que nossos olhos alcançam.
A emoção de se perceber como parte do todo tem, também, o tamanho do todo. "Eu não sabia se eu ria ou se eu chorava" é o que a atriz, segundo ela, mais escuta quando a peça termina. E é o que a faz se sentir satisfeita: levar o público ao extremo das emoções em questão de segundos.
Quando Denise diz que ninguém sai impune, ela se refere também a ela mesma. Voltando à cidade de estreia depois de quatro anos da primeira apresentação, a artista diz que a obra, assim como a vida, foi fortificada pelas experiências. "A peça foi muito potencializada pelo que a gente viveu", pondera. "Essa peça é um marco na minha trajetória. Talvez seja a mais importante da minha vida". E, num jogo de palavras que diz muito, Denise Fraga finaliza: "daqui pra frente toda peça que eu fizer vai ganhar de mim o Eu de você."


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