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arte urbana

- Publicada em 24 de Janeiro de 2023 às 15:59

Retratando Paixão Côrtes, mural do artista Eduardo Kobra é inaugurado em Porto Alegre

Eduardo Kobra pintou mural na parede da antiga Companhia Fábrica de Vidros Sul-Brasileira

Eduardo Kobra pintou mural na parede da antiga Companhia Fábrica de Vidros Sul-Brasileira


TÂNIA MEINERZ/JC
A partir desta quarta-feira (25), Porto Alegre passa a contar com uma nova obra do muralista Eduardo Kobra. Natural de São Paulo e com trabalhos em mais de 30 países, o artista veio à Capital gaúcha no último dia 16 para ilustrar, em uma parede de 10 metros de altura e 16 de largura, um retrato do folclorista Paixão Cortês (1927-2018), referência no tradicionalismo no Rio Grande do Sul. A obra foi entregue por Kobra no sábado (21).O mural fica no 4º Distrito de Porto Alegre, no prédio que sediava a antiga Companhia Fábrica de Vidros Sul-Brasileira, na esquina da avenida Voluntários da Pátria com a rua Almirante Tamandaré. O ponto passa por processo de restauro pela ABF Developments, que deve instalar no local um complexo multiuso com espaço para música, arte e gastronomia, a ser inaugurado ainda em 2023.A obra é a quarta de Eduardo Kobra no Rio Grande do Sul. A primeira foi em Santa Maria, ilustrando a cidade nos anos 50 em um painel nos fundos da Biblioteca Pública Municipal Henrique Bastide. Também há um mural em Lajeado, de 14 metros de altura por 26 de comprimento, chamado Olhares da Educação, retratando a escritora Clarice Lispector e os educadores Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Em Porto Alegre há também um mural de 14 metros de altura e comprimento que ilustra o poeta Mario Quintana, no prédio do Colégio Farroupilha.
A partir desta quarta-feira (25), Porto Alegre passa a contar com uma nova obra do muralista Eduardo Kobra. Natural de São Paulo e com trabalhos em mais de 30 países, o artista veio à Capital gaúcha no último dia 16 para ilustrar, em uma parede de 10 metros de altura e 16 de largura, um retrato do folclorista Paixão Cortês (1927-2018), referência no tradicionalismo no Rio Grande do Sul. A obra foi entregue por Kobra no sábado (21).

O mural fica no 4º Distrito de Porto Alegre, no prédio que sediava a antiga Companhia Fábrica de Vidros Sul-Brasileira, na esquina da avenida Voluntários da Pátria com a rua Almirante Tamandaré. O ponto passa por processo de restauro pela ABF Developments, que deve instalar no local um complexo multiuso com espaço para música, arte e gastronomia, a ser inaugurado ainda em 2023.

A obra é a quarta de Eduardo Kobra no Rio Grande do Sul. A primeira foi em Santa Maria, ilustrando a cidade nos anos 50 em um painel nos fundos da Biblioteca Pública Municipal Henrique Bastide. Também há um mural em Lajeado, de 14 metros de altura por 26 de comprimento, chamado Olhares da Educação, retratando a escritora Clarice Lispector e os educadores Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Em Porto Alegre há também um mural de 14 metros de altura e comprimento que ilustra o poeta Mario Quintana, no prédio do Colégio Farroupilha.

Mural do paulista Eduardo Kobra é quarta obra do artista no Rio Grande do Sul

Mural do paulista Eduardo Kobra é quarta obra do artista no Rio Grande do Sul


TÂNIA MEINERZ/JC
Natural do bairro Jardim Martinica, na zona Sul da Capital paulista, Kobra começou a carreira na adolescência, quando pichava desenhos de maneira clandestina em muros da cidade, o que o levou a ser detido em três ocasiões diferentes e receber advertências na escola. Hoje, ele acumula centenas de murais no Brasil e no exterior, como o trabalho O Futuro é Agora! (The Future is Now!) em uma das fachadas da sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, e o Etnias – Todos Somos Um no Rio de Janeiro, um painel sobre diversidade étnica com 170 metros de comprimento feito na fachada de um armazém antigo em comemoração às Olimpíadas de 2016.

Ele também faz murais com representações de pessoas anônimas e conhecidas, como o arquiteto Oscar Niemeyer em São Paulo, Bob Dylan em Minneapolis, Anne Frank em Amsterdã, a fotógrafa Vivian Maier em Chicago e o compositor Luiz Gonzaga em Pernambuco, em um painel de 77 metros de altura por 16 metros de largura no Palácio Capibaribe Antônio Farias, que sedia a Prefeitura de Recife. De acordo com o artista, em breve ele deve ir ao Benin, na África ocidental, para fazer um mural com temática de coexistência. “Quando alguém me convida [para fazer um trabalho], geralmente já me convida sabendo qual é o propósito do meu trabalho”, diz Kobra. “Eu trato temas que vão de tolerância, de respeito, de paz, de união, de coexistência de proteção dos povos indígenas a também de história e memória de personalidades que lutaram pela paz”.

Em entrevista ao Jornal do Comércio, o muralista falou sobre seu processo de pesquisa para desenvolver seus novos trabalhos, o que o inspira no trabalho e suas perspectivas sobre o futuro da arte urbana.

Jornal do Comércio - Como se dá a pesquisa para a definição do objeto da pintura, e como você chegou ao nome do Paixão Côrtes para ser retratado no seu novo mural?
Eduardo Kobra - Eu tenho um formato de trabalho que desenvolvi ao longo dos anos e funciona assim: quando alguém me convida para um trabalho no exterior, ou em outro estado, eu costumo pedir fotos do local, medidas da parede e localização por Google Maps. Feito esse primeiro passo, eu vou buscar conexões do local que eu quero pintar com o meu trabalho, e vou fazer uma pesquisa relacionada ao local que o trabalho vai estar inserido, para buscar uma conexão entre o propósito do meu trabalho e o local onde o trabalho vai ser executado. Então, a partir do momento que eu recebo o convite eu vou pesquisar em todos os meios possíveis, vou ver séries, documentários, vou pesquisar sobre a história, vou consultar pessoas, vou procurar dentro daquilo que eu já conheço também, e a partir desse ponto eu começo a desenvolver os desenhos. E, dentro dessa pesquisa, surgiu a possibilidade de fazer algo relacionado ao Paixão. Eu já o conhecia, mas não conhecia a fundo, conhecia como todo mundo, e aí eu fui me aprofundar mais, para entender mais sobre o trabalho dele, e aí eu percebi a profundidade daquilo que ele fez, da importância daquilo que ele fez, então eu achei que seria muito pertinente fazer um trabalho sobre a história dele. E aí eu fiz uma série de desenhos, uma série de estudos, para conseguir chegar ao resultado do trabalho que está sendo executado agora. Então a questão da escolha do Paixão foi justamente por esse ponto de vista, porque é uma figura icônica, com simbolismo incrível e com o trabalho fantástico e sensível. Uma pessoa que dedicou a vida dele em prol realmente da cultura, da tradição, preservando todos esses valores, achei muito bonito. Fiquei muito comovido assim conforme eu fui pesquisando, é uma dedicação de vida que ele teve, né? Então eu achei que seria bacana se a gente conseguisse as permissões para fazer o mural, e fomos falar com a família e a família autorizou.

Com seu impacto cultural, Paixão Côrtes é "uma figura que se transforma na própria mensagem", afirma Kobra

Com seu impacto cultural, Paixão Côrtes é "uma figura que se transforma na própria mensagem", afirma Kobra


TÂNIA MEINERZ/JC
JC - Seus murais têm como característica o uso expressivo de cores, e leva em consideração temáticas relacionadas ao meio ambiente, pautas antirracistas e de respeito entre as pessoas. Como você percebe a relação do público com o que você traz no seu trabalho enquanto artista?
Kobra - Olha, eu cheguei numa conclusão: é a técnica, né? Não é a cor ou não é a pintura em si, isso é um método. É uma forma de colocar na parede o sentimento. Agora, o mais importante é a história, a mensagem, é o significado, é o porque aquela obra está sendo feita. Qual a relação daquela obra e a situação onde ela foi inserida, ou por que aquela obra tá ali? Qual a reflexão que essa obra pode trazer? Eu acho que o mais importante também é sermos coerentes com os nossos valores, com os nossos princípios, com aquilo que a gente acredita com o nosso ponto de vista. E quando a gente é sincero nesse aspecto, a gente acaba fazendo um trabalho com mais cuidado, com mais amor, mais dedicação, e as pessoas sentem isso, percebem, né? E passam a ter um interesse maior. Então assim, no caso do mural daqui, é um resultado bastante interessante. Trazendo uma arte completamente moderna contemporânea, que é a street art, junto com uma figura que trouxe o tradicional. Então é um diálogo entre algo mais tradicional e histórico com algo mais contemporâneo, que tá na rua, que traz esse diálogo para as pessoas. Muitos jovens acabam perdendo um pouco dessa essência, um pouco dessas histórias, e eu acho que a arte acaba os conectando novamente.

JC - Você cita dentre suas inspirações pessoais para seu trabalho os artistas Keith Haring e o Diego Rivera, ambos com uma técnica visual bem característica deles e que abordam temas específicos, Rivera trazendo a histórica política do México e populações mais marginalizadas, e o Keith Haring abordando ativismo social, trazendo até mesmo sua vivência LGBT+. De que maneira você se relaciona com suas inspirações?
Kobra - Eu tenho muitas referências, mas eu procuro pintar com meu próprio pincel, no meu próprio caminho, dentro das minhas convicções. O Keith Haring tinha as convicções dele, o que me chama atenção nisso é a época em que ele fez isso. Um dos precursores da street art, chegando a sair das ruas e pintar em vários lugares do mundo, então muitas pessoas veem esse movimento como movimento novo, mas Keith Harring já fazia isso juntamente com o (Jean-Michel) Basquiat. Eu estive em Tóquio e eu vi um mural do Keith Haring lá, eu fui para para Itália e vi mural do Keith Haring lá, então esses artistas já quebraram essa barreira entre as ruas e a galeria, justamente pela força e pela genialidade do trabalho que eles colocaram. Então quando eu falo das questões do trabalho das mensagens que eu realizo nas minhas obras, é porque elas são coerentes com o que eu vivo e o que eu acredito. Conforme eu vou descobrindo mais a história dos lugares e as mensagens, vale a pena também concluir que não se trata de pintar pessoas conhecidas: eu tenho mais murais sobre anônimos do que de conhecidos. Quando eu me deparo com uma história bacana de alguém que fez algo relevante que inspira as pessoas, sempre pelo lado positivo, a gente pode transformar com a conscientização, mostrando para pessoas temáticas de racismo e tantas coisas que a gente vive hoje, eu acho que a pintura é um antídoto, né? É uma vacina. Quando eu encontro a mensagem eu me sinto realizado, feliz e satisfeito, e me sinto entusiasmado em fazer o trabalho. Porque, depois de 35 anos, eu preciso estar feliz fazendo o que eu faço, entendeu? Então não é fácil, eu preciso ter motivação e a minha motivação é isso. Quando eu encontro uma arte bacana, uma história legal, eu falo “puxa, olha que negócio fantástico”. E eu perguntei aqui se existiam outros murais do Paixão, e não tem, pelo menos segundo as pessoas que estavam próximas. Não viram, e eu achei incrível, porque é uma figura que se transforma na própria mensagem que ele mesmo colocou, imortalizando as tradições, a cultura, o folclore, a dança, tudo isso. E hoje ele é uma figura que tem que ser realmente celebrada, porque qualquer pessoa que trata com cultura, que trabalha em prol da cultura, tem que ser prestigiada e tem que ser aplaudida.

Segundo Eduardo Kobra, Paixão Côrtes era "uma figura icônica, com simbolismo incrível"

Segundo Eduardo Kobra, Paixão Côrtes era "uma figura icônica, com simbolismo incrível"


TÂNIA MEINERZ/JC

JC - No contexto atual da sociedade, em que o crescimento das cidades leva ao aumento do número de grandes prédios e coloca em evidência questões de infraestrutura, qual a importância de ter mais peças de arte urbana na rua? Com a expansão dos centros urbanos, você acha que esse movimento de derrubar as paredes entre rua e galeria tende a se expandir com o tempo?
Kobra - Eu sou de uma época em que eu era chamado de vagabundo pintando na rua, as pessoas não entendiam. “Maloqueiro”, “vai trabalhar”, sei lá, me xingavam, falavam de tudo. Acho que é uma forma de preconceito, e muito do preconceito está ligado à ignorância, à falta de conhecimento. E eu acho que conforme as pessoas foram descobrindo que não há diferença entre a arte que é feita numa galeria, no museu ou na rua... porque não tem diferença, e também não há diferença de uma arte de um menino autodidata, e às vezes é até melhor, do que alguém pode ter estudado e não ter a mesma capacidade sentimental e de alguém que faz isso de forma intuitiva. Então a arte está em todos os lugares, e ela pode ser feita de várias formas, pode ser feita por todos que querem fazer que são artistas, e a rua possibilita isso. Então eu acho que o primeiro movimento foi esse, a quebra desse paradigma, e as portas se abrindo pro artista que era da rua, era discriminado e de repente começou a fazer trabalho dentro dos museus. Isso já vem acontecendo cada vez mais, mas também tem um movimento inverso, de artistas que eram específicos de galeria e museus, e ilustradores que hoje em dia tão pintando nas ruas pela grande visibilidade que tem, porque a interação que tem com as ruas é uma arte democrática. E eu acredito que as cidades têm que aproveitar esse potencial. É uma questão de visão. Andando aqui por Porto Alegre, por exemplo, eu vi trabalhos fantásticos excepcionais, inquestionáveis, tem muita coisa boa aqui na cidade, mas pode ter mais. Pode ter mais instalações e intervenções esculturas, pinturas, enfim, todo tipo de arte que dá nas ruas, isso é bom para a cidade, porque nas ruas as pessoas ficam estressadas, trânsito, é trabalho, é poluição, é tanta coisa, e a arte é um alívio para tudo isso, né? Então eu acho que quanto mais a iniciativa privada, e empresas que têm essa visão de vanguarda, ou a própria prefeitura a cidade como um todo investir nesse tipo de trabalho, melhor. Muitas vezes um menino quer um apoio mínimo, sabe? Um incentivo para continuar fazendo isso. Então eu acredito que tem muito a se conquistar, muita coisa já foi conquistada desde que eu comecei em 1987, mas tem muito a se conquistar ainda. São degraus que a gente vai alcançando e é uma evolução. Conforme os artistas vão evoluindo também ao passar do tempo, as portas vão se abrindo. É claro, da mesma forma que tem arte ruim dentro de galerias e de museus, tem na rua também, e da mesma forma que tem coisas fantásticas nas galerias e os museus, têm na rua também. Mas eu acredito que não há mais esse muro, essa barreira, ela não se justifica mais, a ponto de dizer que só o que tá dentro do museu é bom e o que tá na rua não. Eu acredito que não se justifica mais esse argumento.