Neste sábado, a Fundação Iberê (avenida Padre Cacique, 2.000) inaugura a exposição Carlos Zilio: Pinturas, comemorativa aos 60 anos da trajetória do artista, que ocupa uma expressiva presença no cenário de arte contemporânea. Com reconhecimento no circuito nacional e internacional, Carlos Zilio teve sua pintura Cerco e Morte (1974) adquirida em 2014 para fazer parte do acervo do MoMA de Nova York. A obra integrou a exposição Transmissions: Art in Eastern Europe and Latin America, 1960-1980, realizada pelo museu norte-americano de setembro de 2015 a janeiro de 2016.
Ainda no sábado, às 17h, a Fundação Iberê exibe o documentário Carlos Zilio, seguido de uma conversa ao vivo com o artista, a curadora Vanda Klabin e Ronaldo Brito, crítico de arte e professor do Departamento de História da PUC-Rio.
Com curadoria de Vanda Klabin, a mostra apresenta 33 trabalhos do acervo do próprio artista e de coleções particulares, que contextualizam e refletem sobre uma série de obras produzidas entre 1979 e 2022 com o propósito de discutir problemas específicos da própria pintura. Zilio reconfigura o passado recente fazendo uma espécie de arqueologia da memória da pintura universal e desestabiliza o olhar, pondo em xeque a linha evolutiva das imagens e, consequentemente, a história da arte, na mesma acepção proposta pelo filósofo francês Didi-Huberman, em Devant le Temps.
"Essa mostra revê a importante produção de Zilio ao longo de sua trajetória, que foi inicialmente marcada, nos anos 1960, pela investigação conceitual, pela experimentação e pela presença de objetos com contextualizações políticas. Após atravessar um longo período em que a sua arte engajada tinha como foco uma produção estética investida de alto teor político, ele abandona o contexto experimental para se entregar ao exercício livre da pintura", destaca Vanda, que por muitos anos trabalhou como coordenadora-adjunta de Carlos Zilio no curso de pós-graduação em História da Arte e Arquitetura na PUC-Rio.
"O seu embate com a história da pintura como uma permanente indagação, com as suas tensões e contradições, fazem parte das questões fundamentais que delineiam o desenvolvimento interno de sua linguagem pictórica. A fina erudição visual e o virtuosismo crítico consolidaram a sua efetiva presença na arte brasileira", complementa.
Para Zilio, o que mais o atrai em seus antecessores é a maneira como eles captaram e sintetizaram toda a tradição da pintura universal: "Pintar passou a ser, para mim, pintar a pintura". O gesto pulsante que emerge dessa pintura reflexiva confirma tanto a autonomia criativa quanto o amadurecimento de um pensamento lentamente gestado e exercitado pelo artista em seu ateliê no Cosme Velho, no Rio de Janeiro. Ele transita pela história da pintura, apropriando-se de códigos, estilos e gramáticas visuais que, por diversas razões, o instigam, como as cores orquestrais e elementos geometrizados de Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi, Alberto da Veiga Guignard; as questões plásticas de Paul Cézanne e Jasper Johns, determinados arabescos de Henri Matisse; a disjunção da pintura frontal de Henri Rousseau; a pintura planar de Piet Mondrian; a organização espacial de Barnett Newman; o minimalismo de Robert Ryman; a exuberância cromática de Mark Rothko, entre tantos outros.
Seus trabalhos recentes têm como tema central e recorrente a figura do tamanduá. Animal de estimação de seu pai quando criança, o animal retratado por Zilio tem uma natureza intrínseca, pois sempre aparece em queda nas suas representações e adquiriu um aspecto vivencial que sublinha a afetividade e a nostalgia. Mas também, segundo explica o artista, o tamanduá carrega o sentimento abismal da história, ou seja, uma representação à queda da história, das utopias. Os tamanduás rothkianos destacam uma outra camada de passado que se torna presente nesta arqueologia pictórica, explica Zilio. São uma espécie de laços inconscientes que se manifestam espontaneamente, cúmplices daquilo que quer expressar: uma modesta tentativa de estabelecer algum contato com as pinturas de Mark Rothko.
Carlos Zilio teve intensa convivência com Iberê Camargo. Foi seu aluno de pintura no antigo Instituto de Belas Artes da GB (atual Escola de Artes Visuais do Parque Lage) de 1962 a 1964. Após um período de produção marcado pela Nova Figuração e a arte conceitual, o reencontro de Zilio com a obra do Iberê só ocorreu ao ver a exposição deste em 1979 na Galeria Debret, em Paris. Esse fato coincidiu com a data em que retomou a pintura como questão central da sua produção. Mais tarde, declarou que "a força e a atualidade de Iberê residem no aprofundamento de um antigo saber: a pintura". Ele manteve um contato permanente com o pintor gaúcho mesmo após o retorno definitivo deste para Porto Alegre e ficou trabalhando no ateliê de seu antigo mestre em Laranjeiras por mais de duas décadas.