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- Publicada em 21 de Setembro de 2022 às 00:35

Cinco decadas de subversao e utopia

Dramaturgo Julio Zanotta celebra 50 anos de trajetória com o lançamento de coletânea, contendo 10 livros de sua extensa obra

Dramaturgo Julio Zanotta celebra 50 anos de trajetória com o lançamento de coletânea, contendo 10 livros de sua extensa obra


/GILBERTO PERIN/DIVULGAÇÃO/JC
Adriana Lampert
Nesta sexta-feira, às 20h, o dramaturgo, contista e romancista gaúcho Julio Zanotta autografa uma coletânea de obras teatrais com 10 volumes, lançada pela Editora Giostri, de São Paulo. O evento ocorre no Teatro Renascença (avenida Erico Veríssimo, 307, bairro Menino Deus) e contará com performance de uma das peças curtas do artista, Hino à Bandeira Com Galinha ao Molho Pardo, que será encenada pelo ator João de Ricardo, ao som do piano de Rodrigo Fernandez.
Nesta sexta-feira, às 20h, o dramaturgo, contista e romancista gaúcho Julio Zanotta autografa uma coletânea de obras teatrais com 10 volumes, lançada pela Editora Giostri, de São Paulo. O evento ocorre no Teatro Renascença (avenida Erico Veríssimo, 307, bairro Menino Deus) e contará com performance de uma das peças curtas do artista, Hino à Bandeira Com Galinha ao Molho Pardo, que será encenada pelo ator João de Ricardo, ao som do piano de Rodrigo Fernandez.
Na ocasião, ainda acontece a abertura de duas exposições. A primeira, Unhas Pintadas Também Arranham, é assinada pelo fotógrafo Gilberto Perin, que captou imagens de Zanotta em um ensaio "bastante provocativo e insinuante", nas palavras do dramaturgo. A outra, Hasta La Tumba Te Amaré, é uma mostra de curadoria do próprio dramaturgo, composta por dez painéis com cartazes, jornais da época, críticas, fotos antigas e referências emotivas que retratam um pouco desse meio século de jornada. "Foi uma batalha chegar nestes 50 anos de trajetória, quando tantos de meus amigos ficaram pelo caminho", avalia Zanotta.
Sobre Hino à Bandeira Com Galinha ao Molho Pardo, Zanotta destaca que a peça é "uma sátira político-erótica, sobre a usurpação dos atos cívicos por interesses espúrios". A cena inicia com uma bandeirante e um escoteiro cantando o hino à bandeira. "Enquanto hasteiam, acontecem uma série de coisas bem jocosas", revela o dramaturgo, emendando que a apresentação desta sexta será uma amostra de uma montagem dirigida pela Cia Espaço em Branco. Antes deste olhar contemporâneo, a peça foi apresentada em um circuito universitário clandestino nos anos de 1970. "Depois, o texto se perdeu e precisei reescrever", relembra. 
Nome fundamental da literatura e das artes cênicas no Estado, Julio Zanotta, além de escrever, empreendeu na área. Fundou a Livraria Ao Pé da Letra, em Porto Alegre, com filiais em Florianópolis e Curitiba. Também foi presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, sendo responsável pela modernização da Feira do Livro de Porto Alegre, onde esteve à frente por quatro anos. Em 1998, recebeu o título de Cidadão Honorário da Capital.
Na área da dramaturgia, teve sua carreira reconhecida em 2013, quando a Coordenação de Artes Cênicas da prefeitura de Porto Alegre realizou a Semana Julio Zanotta. Antes de tomar definitivamente o rumo das artes, o dramaturgo foi jornalista do Diário de Notícias e se envolveu no movimento estudantil que lutava contra a ditadura. Em 1973, teve que deixar o País pela primeira vez. Voltou em 1976, e foi um dos fundadores do grupo teatral Ói Nóis Aqui Traveiz, em 1978. 
Poucos anos depois, uma de suas peças foi interrompida pela repressão. Intitulada As Cinzas do General, escrita e dirigida por ele em 1980, a sátira sobre o regime militar teve problemas com a censura. "A montagem ficou em cartaz apenas alguns dias. Ela foi proibida, depois liberada com vários cortes. Mas nós encenamos sem os cortes", explica. "Então, invadiram o teatro, quebraram tudo, invadiram minha casa e fui espancado. Onde eu ia, tinha problema com os órgãos de repressão. Eles me queriam."
Usando passaporte falso, o artista decidiu viajar pela América Latina, saindo pela fronteira do Acre com o Peru e seguindo rota até o México. No caminho, por onde passava, apresentou outra de suas peças: Marília, feita em parceria com a atriz e bailarina Lisaura Andreia Souto, sua esposa à época. 
Ao longo da vida, Zanotta viveu - inclusive em âmbito pessoal - inúmeras situações de opressão, por conta de sua personalidade. Em 1983, de regresso ao Brasil, se isolou em uma cabana em meio a uma então pacata aldeia de pescadores localizada ao sul de Trancoso (Bahia). Também já esteve internado, por conta do abuso de drogas na adolescência. Antes da atual coletânea, publicou vários livros, como Louco, E Nas Coxilhas Não Vai Nada?, Teatro Lixo, O Apocalipse Segundo Santo Ernesto De La Higuera e A Ninfa Dragão.
A maior parte de sua obra surge com personagens inconformadas e idealistas, que buscam a realização de utopias em relatos autobiográficos para evidenciar práticas de submissão e controle, subvertendo a lógica sexista e utilizando, sobretudo, a sátira de estereótipos de gênero. Não à toa, seus textos exaltam a liberdade do corpo e a problematização de papeis sociais, em um imaginário ainda utópico, mas necessário. 
Parte das peças está reunida na coletânea da Editora Giostri, cuja ordem dos primeiros cinco volumes é: Milkshakespeare (peça contemplada com o Prêmio Funarte de Dramaturgia, em 2003), O Apocalipse segundo Santo Ernesto De La Higuera (musical que revela a admiração dos moradores do povoado boliviano onde Che Guevara foi capturado e morto), Baudelaire (biografia do poeta que 'sentou cimento' na poesia moderna no século XIX), Nietzsche no Paraguai (inspirada no manuscrito Minha Irmã e Eu, assinado pelo filósofo alemão), Que Graça Tem Esfaquear o Travesseiro? (sobre um jovem que comete um massacre numa escola) e Ulisses no País das Maravilhas (que aborda o conflito nas relações de amor com grande diferencia etária).
A coletânea ainda conta com os títulos Sonho de Valsa (sobre uma relação poliamorosa do autor, iniciada pelo Facebook em 2010), A Ninfa Dragão (ficção científica, sobre um ser híbrido), Louco (texto autobiográfico), A Escola de Escritores (sátira que apresenta uma professora ensinando jovens a se tornarem escritores em um país onde não há literatura), Lua de Mel Em Buenos Aires, A Mulher Crucificada, O Beijo Da Besta (suas peças mais contemporâneas), O Homem Jaguar Pássaro Serpente (uma alegoria sobre a civilização andina), Para Atores Licenciosos e Diretores Libertinos 1 e 2 (cada volume com dez textos curtos) e Teatro Cruel (uma espécie de "inventário" dos fantasmas e pesadelos que o autor afirma ter todas as noites).
"(Meu) ponto alto é ter sobrevivido, estar lúcido e ainda atuante", diz Zanotta. "Sigo escrevendo páginas e páginas por dia, saio às ruas, acompanho a contemporaneidade. Culturalmente, eu me sinto um ser ativo e influenciando as pessoas à minha volta". E tudo indica que mais está por vir: segundo ele, em seu computador pessoal já tem material para outros quatro ou cinco livros, todos prontos para ir para o forno.
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