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- Publicada em 07 de Maio de 2025 às 00:25

Tempos de renovação e reencontro com a arte

Atingida pela enchente, orquestra Fábrica dos Sonhos é uma das iniciativas que recupera fôlego na Capital

Atingida pela enchente, orquestra Fábrica dos Sonhos é uma das iniciativas que recupera fôlego na Capital


/Comunicação IBZN/Divulgação/JC
Em Porto Alegre, uma série de iniciativas que visam reacender a chama da arte e da cultura na população brotaram nos meses seguintes às enchentes. Em diferentes pontos da capital gaúcha, projetos inovadores e espaços revitalizados abrem suas portas, oferecendo um alento e uma oportunidade de reencontro com a sensibilidade e a expressão artística.
Em Porto Alegre, uma série de iniciativas que visam reacender a chama da arte e da cultura na população brotaram nos meses seguintes às enchentes. Em diferentes pontos da capital gaúcha, projetos inovadores e espaços revitalizados abrem suas portas, oferecendo um alento e uma oportunidade de reencontro com a sensibilidade e a expressão artística.
Um desses faróis de esperança é o recém-inaugurado Instituto Brasa Zona Norte (IBZN), idealizado e dirigido pela produtora cultural Adriana Wichmann Paz de Mattos. Localizado no bairro Sarandi, em área que não foi diretamente atingida pelas águas, o IBZN nasceu da mobilização da Igreja Braza Zona Norte, que atuou como abrigo para desalojados em 2024, acolhendo cerca de 300 pessoas.
Inaugurado no último dia 12 de abril, o IBZN se estabeleceu como um espaço de apoio aos recomeços, oferecendo diversos cursos, desde finanças e mídias sociais até artesanato com tecidos e retalhos, incentivando a criatividade e a geração de renda. "Queremos ajudar nessa recuperação, oferecendo ferramentas para as pessoas que perderam tudo se levantarem, bem como para a reconexão das crianças com o ambiente escolar", explica Adriana.
Nesse sentido, um dos destaques do Instituto é a retomada do Fábrica de Sonhos, projeto de orquestra jovem que iniciou em 2019 no Espaço Força e Luz, foi interrompido durante a pandemia de Covid-19 e passou rapidamente (de agosto a dezembro do ano passado) pela Casa de Cultura Mario Quintana. Sob a batuta da violonista Luiza Czeczelcki, o projeto oferece aulas de teoria, repertório e percepção musical para jovens de 13 a 16 anos. "As aulas são gratuitas para os impactados pela enchente. Também oferecemos bolsas para jovens de baixa renda comprovada", sinaliza Adriana. "Iremos começar de forma mais reduzida, com foco no violino, mas a ideia é expandir em 2026, agregando viola, violoncelo e contrabaixo acústico", almeja. O IBZN também irá abrigar exposições de artes visuais e planeja workshops de pintura e dança (este em parceria com a Escola Ritmos, que está instalada no mesmo prédio do IBZN) para o futuro próximo. 
Em outra frente, a solidariedade e o conhecimento técnico se uniram no Projeto (Re)Viver. Idealizada dentro da Uniritter pela professora de Arquitetura e Urbanismo, Raquel Daroda, a iniciativa, desenvolvida pelos estudantes do curso, visa levar bibliotecas modulares para escolas de Educação Infantil afetadas pelas enchentes. Com estrutura metálica (leve e resistente), revestida com telhas discoidais, as bibliotecas modulares são projetadas para serem espaços dinâmicos e seguros, com livros para a primeira infância expostos de forma convidativa. Segundo Raquel, os módulos podem ser deslocados para diversos ambientes por dentro das escolas e sairem dali se for necessário. "O piso é removível, e todos têm rampa de acessibilidade", emenda. Seis unidades já foram entregues: quatro em escolas de Canoas (com a expectativa de chegar a 18), uma em Taquara e outra em uma creche de Porto Alegre. "Nossa intenção é que o projeto saia dos limites das escolas atingidas pela enchente e chegue a todas possíveis", afirma a professora.
Para o público amante das artes, uma novidade é O Circo Bar, mix de bar e polo de entretenimento cultural, idealizado pelo publicitário Camilo Santa Helena e que abriu em março deste ano. Localizado na Vicente da Fontoura, em uma área não alcançada pelas águas, o empreendimento oferece atualmente shows diários de comédia e mágica, mas deve ampliar o cardápio artístico, incluindo teatro de bonecos, leitura de poesias, contação de histórias e DJ sets. O palco fica no segundo andar do casarão.
Segundo Santa Helena, o espaço busca ser não apenas "um lar" para os artistas circenses da cidade, mas também um ambiente de confraternização. "Estamos propondo que este seja um espaço cultural que recebe todas as pessoas, acolhendo os trabalhadores da Cultura dentro e fora do palco", destaca. 

A arte reflete sobre a tragédia

Gideon Mendel registrou efeitos da água em Reflexos da Emergência

Gideon Mendel registrou efeitos da água em Reflexos da Emergência


/Gideon Mendel/Divulgação/JC
Em um momento de reconstrução, a arte e a cultura se mostram ferramentas essenciais para curar feridas, fortalecer laços e reacender a esperança na comunidade porto-alegrense. Os novos projetos e a resiliência dos espaços culturais existentes sinalizam um futuro onde a criatividade e a sensibilidade voltam a ocupar um lugar central na vida da cidade.
Para além do restauros e do florescimento de novos projetos, uma série de exposições e atividades artísticas refletem, desde o segundo semestre de 2024, sobre a experiência da tragédia climática de maio passado. 
Exemplo disso ocorreu em agosto do ano passado, durante a reabertura da Casa de Cultura Mario Quintana, que contou com a inauguração da exposição Reflexos da Emergência, do fotógrafo sul-africano Gideon Mendel, que esteve em Porto Alegre e Canoas retratando as vidas dos gaúchos afetados pela enchente. Apresentando, ainda, imagens de prédios históricos da Capital que ficaram submersos pela água, ao lado de fotografias de outros continentes atingidos por tragédias semelhantes, a mostra também foi exibida no Centro Cultural da Ufrgs. Em ambas as instituições, as visitações encerraram em outubro.
Outra exposição com temática semelhante ocorreu no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), após sua reabertura parcial, em dezembro: intitulada Post scriptum — Um museu como memória, a mostra foi especialmente pensada para narrar e trazer a público a jornada enfrentada pelo Museu durante a inundação, em maio do ano passado. A exposição reuniu centenas de trabalhos artísticos, objetos e imagens fotográficas, em um amplo registro das consequências da enchente.
A tragédia climática também foi mote de duas montagens de dança, que estreiaram na 26º edição do Porto Verão Alegre: os espetáculos Enquanto esperamos, da Cia H Dança, e Muita água, dos performers Cibele Sastre, Fabiano Nunes e Juliana Vicari. A primeira apresenta personagens abrigados da chuva à espera de uma perspectiva e socorro para suas vidas - que, assim como em Esperando Godot, de Beckett, "nunca chega". A segunda apresenta os performers desdobrando suas experiências corporais a partir da "transformação radical barrenta", em meio a uma sociedade desgovernada, e volta a cartaz na programação do 19° Festival Palco Giratório, que ocorrerá na Capital entre 20 de maio e 08 de junho.
Outro peça sobre a enchente, que estreou em dezembro do ano passado, foi A enchente de 24, com direção de Bob Bahlis. A montagem, que conta a história de 11 personagens isolados em um prédio após as inundações, é fruto da experiência pessoal de Bahlis, que teve que deixar sua casa, no bairro São João, e se abrigar no Litoral. 
Título semelhate foi eleito pelos autores André Malinoski, Marcelo Gonzatto e Rodrigo Lopes, que assinam o livro A enchente de 24 - A história da maior tragédia climática de Porto Alegre. A obra, lançada no último mês de outubro, detalha as causas e as consequências do desastre, destacando a vulnerabilidade das cidades frente às mudanças climáticas e a luta da população para reconstruir suas vidas em meio à destruição. Combinando apuração jornalística com uma seção de 16 páginas de fotografias, o livro oferece uma visão crítica do evento que marcou para sempre a história da cidade e serve de alerta para outros centros urbanos de todo o País.