Há dois anos, este 6º Ópera em Pauta foi programado para Porto Alegre, tendo o Multipalco como seu espaço de atividade central, enquanto a OSPA e a Companhia de Ópera se multiplicaram para apresentar diferentes espetáculos operísticos que pudessem traduzir e sintetizar as potencialidades do gênero entre nós.
O resultado foram duas estreias da Companhia de Ópera e outros dois espetáculos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. No caso da Companhia de Ópera, as três récitas de “Il trionfo del tempo e del disinganno”, com libreto do Cardeal Benedetto Pamphili e música de Georg Friedrich Händel. Entre 1707, quando surge a primeira versão deste oratório, e 1757, quando temos a terceira versão, a obra foi expandida e aprofundada, mas sem perder a perspectiva moralizadora de seu idealizador original.
A Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul transformou o oratório em uma potencial ópera, encenada no pequenino espaço do Teatro Olga Reverbel, do Multipalco, com a direção de William Pereira e a participação da Bach Society Brasil, coordenada por Fernando Cordella.
O resultado foi surpreendente: sem perder a perspectiva religiosa, a encenação permitiu visibilizar o debate proposto, entre o Prazer e o Desengano, tendo como uma espécie de juiz o Tempo, em torno da Beleza. As entidades, que eram apenas conceitos, no oratório, transformaram-se em personagens, personificadas por Carla Domingues (soprano, a Beleza), Carol Braga (mezzo soprano, o Prazer), Cristina Guse (mezzo soprano, o Desengano) e Roger Scarton (tenor, o Tempo). William Pereira acrescentou um corpo de baile, com quatro duplas, da Plural Cia. de Dança, com a direção de Maurício Miranda. O espaço a que estamos acostumados, no Teatro Olga Reverbel, foi invertido. As cadeiras foram dispostas em torno da pista, como um teatro de arena, mas cortando o espaço cênico, surgiu uma passarela sobre a qual corpo de baile e personagens se alternavam (cenografia do próprio William Pereira). A coreografia de Milton Coati deu enorme dinâmica à encenação, evidenciando a pressão, o tensionamento e as disputas entre os personagens. Os figurinos de Daniel Lion valorizaram os conceitos que se encontravam por trás de cada figura, de modo que o colorido explodia em cena, ao mesmo tempo em que, mais do que apenas cantar, os quatro solistas foram levados a representar dramaticamente, inclusive com movimentos bastante ousados para quem precisa ter controle de respiração para coordenar a voz. Neste sentido, a ironia e a interpretação de Carol Braga se destacou, sobretudo porque é ela quem responde pelo tensionamento das relações entre os demais personagens.
A Ospa, de seu lado, trouxe duas pequenas obras do compositor italiano, naturalizado norte-americano, Gian Carlo Menotti (1911-2007). Nos Estados Unidos, ele estudou, dentre outros, com Samuel Barber e Leonard Bernstein. Daí, a sua produção ser aproximada muito mais da chamada “indústria cultural”, em especial o cinema e os musicais da Broadway.
“O telefone” é de 1947. O título original é explicativo: “O telefone ou o amor a três”: entre o casal, se coloca o telefone. O homem quer se declarar, a mocinha é dependente do telefone. O que faz o pobre apaixonado? Sai da sala e telefona para ela, conseguindo, então, sua atenção. A anedota é de extrema atualidade, se transformarmos o telefone nas atuais redes sociais.
“O senhor Deluso” é uma paródia das clássicas comédias dell’ arte. O enredo é uma intrincada rede de quiproquós e de mal-entendidos que, enfim, se resolvem.
A direção cênica de Aúrea Baptista enfrentou a dificuldade de o palco da Ospa não ter proscênio nem pano de boca. Lançou-se mão, então, da criação de dois pequenos espaços: no “Telefone”, apenas dois personagens (além do telefone, claro) e no outro, seis personagens em um picadeiro de circo. Foram excelentes soluções encontradas.
O soprano Elisa Machado se destacou ao viver os dois principais papéis (Lucy e Célia), enquanto Francisco Padilha foi um iracundo e divertido Senhor Deluso, que dá título à obra, na segunda peça.
O resultado destes três espetáculos é significativo, no sentido de mostrar que o conceito de ópera precisa ser alargado, fugindo daquele tradicionalismo que Mario de Andrade odiava, diga-se de passagem, da ópera italiana. Neste sentido, as propostas da Companhia de Ópera e da Ospa alcançaram plenamente seus objetivos.