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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 23 de Outubro de 2025 às 21:01

A ressurreição do Teatro de Arena

Teatro de Arena está situado na escadaria da avenida Borges de Medeiros entre a rua Duque de Caxias e a rua Fernando Machado

Teatro de Arena está situado na escadaria da avenida Borges de Medeiros entre a rua Duque de Caxias e a rua Fernando Machado

TÂNIA MEINERZ/JC
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Antonio Hohlfeldt
O início, na última segunda-feira, de obras no Teatro de Arena é uma notícia verdadeiramente auspiciosa, não apenas para os que gostam especialmente de teatro, quanto para todos os que acompanham o desenvolvimento cultural da cidade.
O início, na última segunda-feira, de obras no Teatro de Arena é uma notícia verdadeiramente auspiciosa, não apenas para os que gostam especialmente de teatro, quanto para todos os que acompanham o desenvolvimento cultural da cidade.
O Teatro de Arena, situado na escadaria da Avenida Borges de Medeiros entre a rua Duque de Caxias e a rua Fernando Machado, é um ponto que, não apenas abriga um teatro quanto guarda uma história importante de resistência à ditadura de 1964 e um espaço de resiliência e de amor à arte.
Resumidamente, um grupo de jovens estudantes do então CAD – Centro de Arte Dramática, da UFRGS, nos anos 1960 resolveu ampliar suas oportunidades de praticar teatro na cidade. Surgiu, assim, o GTI – Grupo de Teatro Independente que, não tendo espaço próprio e não podendo contar com o espaço da escola, resolveu buscar uma alternativa fora. Acabou encontrando, na rua General Vitorino, praticamente em frente à entrada do próprio CAD. Era um espaço subterrâneo: descia-se uma pequena escada. Já albergara um grupo importante de artes cênicas, o Teatro de Equipe que, no período da Legalidade, acabou tendo uma função significativa: um de seus integrantes, Paulo César Pereio, acabou liderando o grupo, do qual participava, entre outros, a poeta Lara de Lemos, oferecendo ao então Governador Leonel Brizola o “Hino da Legalidade”, composição que todos os que viveram aquela época, bem conhecem.
O Teatro de Equipe desaparecera. Por sua qualidade, a maioria dos seus integrantes havia migrado para o Rio de Janeiro e São Paulo, em busca de maiores e melhores oportunidades de trabalho, de preferência, trabalho profissional.
Pois a moçada do GTI reencontrou o local. Ali assisti, por exemplo, a “Esperando Godot”, de Beckett. O grupo tinha, entre seus principais líderes, Jairo de Andrade que, com a atriz Alba Rosa, queriam ampliar as atividades daquele conjunto.
Numa segunda etapa, descobriram um outro espaço, justamente este da escadaria da Borges de Medeiros. Era menos subterrâneo do que o primeiro: embora fosse o subsolo do prédio, cuja entrada de referência estava situada na rua Duque de Caxias, aquele depósito ou algo parecido estava ao nível da própria escadaria da Borges de Medeiros. Embora acanhado, era um espaço mais iluminado e com maior circulação de ar. Mesmo assim, para alcançar o alvará da Prefeitura Municipal, o grupo precisava instalar um renovador de área e aparelhos de ar condicionado. Mas a moçada aceitou o desafio e, literalmente, puseram mãos à obra: tornaram-se operários de construção e passaram a levantar, por seus próprios esforços, as divisórias e demais construções internas necessárias para o espaço se tornar um teatro. Um teatro de Arena.
O Jornal do Comércio tem uma relação direta com esta história. E isto pode orgulhar a todos nós. Na época, era o jornalista Marcelo Renato, magérrimo e  muito alto, quem assinava a coluna de teatro do periódico. Pois ele também virou operário da construção do teatro de Arena.
Por iniciativa de Marcelo Renato, criou-se uma publicação do novo grupo, que se chamava “Teatro em revista”    : na capa de sua primeira edição, aliás, lá aparece Marcelo Renato em plena labuta de operário da construção, levantando os tijolos daquele balcão que ainda hoje pode ser visto na sala de espera do teatro. A revista alcançou quatro edições (era mensal), mas depois, o grupo precisou escolher: ou se buscava dinheiro para editar a publicação, ou o dinheiro era destinado às produções dos seus espetáculos. Venceu a segunda opção, que era, afinal, para isso, que o Teatro de Arena, que agora era assim que se denominava o grupo, em referência aos seus homônimos do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Fui testemunha de tudo isso: trabalhava no Correio do Povo e cobria o setor de cultura, sob a tutela do veterano Paulo Fontoura Gastal. Fui testemunha desta etapa e depois participante de outros episódios: como a censura era muito rigorosa e algumas obras não passavam por seu crivo, Jairo de Andrade inventou de fazer “leituras dramáticas” dos textos mais problemáticos. Por exemplo, criou-se um ciclo para a dramaturgia de Plínio Marcos, “marcado” pelos censores, como ocorria com o compositor Chico Buarque, por exemplo. Com o apoio do Sindicato dos Bancários, na época dirigido por Olívio Dutra, fazia-se uma leitura semanal dos diferentes textos de Plínio Marcos.  Eu trabalhava na redação até as 20 horas e depois saía correndo, na rua Caldas Junior, até o teatro, onde assistia à “leitura” e coordenava os debates sobre cada texto. No dia seguinte, seguindo minhas anotações, transformava isso em artigo que saía estampado nas páginas do jornal.
Dezenas de histórias podem ser relembradas e evocadas sobre o querido Teatro de Arena. Mas isso fica para outras colunas... o leitor contemporâneo destas aventuras certamente terá outras memórias...
Vida eterna ao Teatro de Arena que agora, sob o comando de Caco Coelho, começa a ressuscitar... 

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