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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 18 de Setembro de 2025 às 18:25

Nova dramaturgia espanhola

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Antonio Hohlfeldt
Cristóvão Colombo, Don Juan Tenorio, Jesus Cristo... eis alguns dos personagens do dramaturgo espanhol Francisco Bernal (Paco Bernal, nome artístico), de que a diretora Suzy Martinez estreou, no Porto Verão Alegre do início deste ano a peça “O profeta louco” e que, no meio da semana passada, e no palco do Teatro do CIEE, voltou a encenar para uma plateia entusiasmada e torcedora.
Cristóvão Colombo, Don Juan Tenorio, Jesus Cristo... eis alguns dos personagens do dramaturgo espanhol Francisco Bernal (Paco Bernal, nome artístico), de que a diretora Suzy Martinez estreou, no Porto Verão Alegre do início deste ano a peça “O profeta louco” e que, no meio da semana passada, e no palco do Teatro do CIEE, voltou a encenar para uma plateia entusiasmada e torcedora.
Paco Bernal tem, neste texto, como personagem único, um “louco” (?) que se intitula Jesus Cristo. No início da obra, de cerca de uma hora de duração, o Cristo está pregado a uma cruz, colocada num altar de uma capela de um convento medieval, em que religiosos passam os dias e as noites a rezar e a cantar o cantochão dos cantos gregorianos. O texto nos coloca ante um Cristo queixoso do Pai e até raivoso da Mãe, por se encontrar há dois mil anos abandonado. Denuncia asperamente a desfaçatez com que os ministros da Igreja Católica vivem na riqueza, de costas para os pobres, em meio à luxúria e completamente distantes dos princípios defendidos por ele, o Cristo.
O texto não se constitui exatamente em uma grande novidade do ponto de vista do discurso e do contexto. Muitos outros artistas, inclusive o escritor português José Saramago, já exploraram tais situações. No caso de Bernal, parece que ele gosta de desconstruir personagens reais (Cristóvão Colombo) ou fictícios (Don Juan Tenorio, que aparece na dramaturgia espanhola do século de ouro), até chegar à figura religiosa de Jesus Cristo.
A exploração da personagem permite um discurso que é um misto de denúncia e de debate em torno da atual realidade e da contradição contemporânea de uma Igreja, enquanto instituição, que já teve, de fato, maior distância de seus evangelhos do que hoje em dia (veja-se o contraste entre o falecido Papa Francisco e o atual chefe do Vaticano...). No entanto, muitas vezes, o texto escorrega para o ingênuo ou simplesmente para o panfletário, perdendo força: aliás, os melhores momentos da escrita de Bernal são quando ele consegue ser irônico ou meramente cômico, o que faz com que a plateia reaja com risos positivos, como na passagem em que Cristo se queixa de não ter carteira do trabalho assinada, nem direito a férias, etc. Mas não é um texto unitariamente convincente, ao menos, na versão que a tradução de Suzy Martinez nos apresenta.
Quanto ao espetáculo, a interpretação de Juliano Passini é consistente. E certamente a direção de Suzy Martinez tem muito a ver com isso, porque a interpretação está bem marcada, fortemente amparada na preparação corporal de Carlota Albuquerque e a trilha sonora de Álvaro Rosacosta. Na equipe técnica ainda temos a cenografia de Marco Franckowiack, econômica mas efetiva: o altar, a cruz, e nada mais. Mas o conjunto dos vitrais e a ambientação são convincentes quanto ao espaço escolhido, com uma participação dinâmica, inclusive para o ritmo narrativo, da iluminação de Mauricio Moura, mesmo quando, em algumas passagens, as soluções encontradas sejam um pouco óbvias, como no diálogo entre Cristo e o Pai. Os figurinos de Ajjef Ghenes, em tons ocres, causam boa impressão e aprofundam a ambientação.
Paco Bernal é natural de Madrid (1975) mas desde 2005 vive na Áustria. Quantitativamente, tem uma produção bastante grande de obras, e não apenas na dramaturgia, como na prosa. Ainda muito jovem, ganhou o I Prêmio de Escritura Dramática da Universidade Carlos III, em que era aluno, em Madri. Bernal também é roteirista de cinema e de televisão, mas se afastou destes trabalhos, ao mudar-se para a Áustria, para concentrar-se em sua escritura literária e dramática.
A iniciativa de Suzy Martinez em trazer um jovem autor espanhol para montagem no Brasil certamente é importante, tanto que o grupo vai viajar para o centro do país. Não sei, porém, se este seria o texto mais apropriado: apostaria naquele sobre Cristóvão Colombo, que conheço há alguns anos (infelizmente, não está traduzido no Brasil). De qualquer modo, a afluência de público evidenciou o interesse pelo trabalho e, ao final, o entusiasmo pela encenação. Suzy Martinez que, ao lado de Rogério Beretta, tem se dedicado mais à produção, às vezes à interpretação, deveria se permitir mais incursões nesta tarefa criativa: ela tem competência, e isso fica claro neste espetáculo, mesmo que nem sempre o texto seja o melhor suporte para o seu trabalho.   

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