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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 21 de Agosto de 2025 às 16:37

A permanência da obra de Bob Wilson

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Antonio Hohlfeldt
Nascido no Texas, Robert Wilson (Bob Wilson) tornou-se, desde muito jovem, depois de se mudar para Nova York, figura icônica, não apenas das artes cênicas do mundo, mas por aproximar diferentes linguagens, referência das artes, simplesmente assim.Bob Wilson começou estudando administração de empresas. Depois foi para a arquitetura. Mas em algum momento foi trabalhar num hospital, onde passou a se dedicar a desenvolver atividades de criatividade e de ocupação do tempo livre para os doentes. Descobriu assim o teatro, mas enfrentava um problema: era gago. Desafiado por uma professora sua, passou a exercitar-se diariamente, falando mais devagar, sublinhando e destacando silabas e palavras, e assim venceu seu problema. Homossexual assumido, criou, com o companheiro, o bailarino Andy de Groat, o grupo de artes Watermill Center, onde viveu até o final de sua vida, iniciada em 1941 (durante a II Grande Guerra, pois) e encerrada neste último dia 31 de julho de 2025, aos 83 anos de idade, tendo sofrido uma rápida mas letal doença, segundo comunicou formalmente a instituição.Bob Wilson não gostava de falar muito. Seus espetáculos exploraram, desde logo, as potencialidades da iluminação. Mas ele tinha especial atenção para a música e para a dança. Também foi dramaturgo, além de desenhista (excelente aquarelista). Realizou espetáculos de teatro, dirigiu montagens de óperas e assinou filmes de curta e longa metragem. É responsável por centenas de produções, as mais variadas, desde a longínqua “The king of Spain”, de 1969. O diretor norte-americano trabalhou em todos os continentes. Para ele, um espetáculo de teatro é antes de tudo, movimento (movimento do ator em cena, movimentos que ocorrem em cena a partir da iluminação e até mesmo dos ruídos que a trilha sonora possa propor). Ele não promove montagens realistas, ele interpreta e se inspira nos textos e, a partir de tais impulsos, desenvolve sua criação, inclusive apostando fortemente na própria criatividade de seus intérpretes.Bob Wilson veio inúmeras vezes ao Brasil, especialmente a São Paulo, mas também a Porto Alegre, graças ao curador do festival Porto Alegre em Cena, o também diretor Luciano Alabarse, a quem devo, inclusive, agradecer pelas indicações dos espetáculos aqui apresentados. A relação e Bob Wilson com o festival começa em 2009, quando foi apresentada a peça “Quartett”, do dramaturgo alemão Heiner Müller, no Teatro do SESI. No ano seguinte, Wilson visitou novamente o festival, com a montagem de “Dias felizes”, de Samuel Beckett. Uma terceira parceria aconteceria em 2011, ainda com uma montagem de Beckett, desta vez, “A última gravação de Krapp”, sendo que nestes dois anos foi o palco do Theatro São Pedro o espaço selecionado.Lembro com clareza o impacto de “Dias felizes”: na passagem do primeiro para o segundo ato, levando em conta que os dois intérpretes se colocavam absolutamente inertes (como aliás, exigida a didascália do texto), fiquei me perguntando como Wilson administraria a outra metade do espetáculo. A resposta veio logo na abertura da cortina: o cenário ajudava a responder, tanto quanto a iluminação. Em “A última gravação de Krapp”, com o teatro absolutamente cheio, fomos surpreendidos por uma colossal tormenta, plena de raios e trovões: não conseguíamos saber, exatamente, se Bob Wilson trabalhou com coreógrafos como Balanchine, Cunningham e Martha Graham; escritores como Allen Guinsberg e William Burroughts; dramaturgos como Heiner Müller, Bertolt Brecht, Büchner e trágicos gregos os mais variados. Em São Paulo, chegou a dirigir um espetáculo chamado “Garrincha” (2016) - evidentemente, este era o melhor personagem de Wilson, nunca o bem comportado Edson Arantes do Nascimento...A jornalista Norma Couri, escrevendo para o “Observatório da Imprensa” a respeito do artista, propõe uma síntese sugestiva: “Bob Wilson foi um clarão na mesmice teatral”. Por tudo isso, não se pode contar a história das artes, e em especial das artes cênicas, ao longo do século XX, sem a referência a Bob Wilson. Felizmente, seu trabalho ficou devidamente registrado em vídeos, filmes e registros os mais variados, garantindo que a natural efemeridade de um espetáculo de teatro não nos impeça de, no futuro, podermos descobrir, a cada momento, mais qualidades de suas criações.
Nascido no Texas, Robert Wilson (Bob Wilson) tornou-se, desde muito jovem, depois de se mudar para Nova York, figura icônica, não apenas das artes cênicas do mundo, mas por aproximar diferentes linguagens, referência das artes, simplesmente assim.

Bob Wilson começou estudando administração de empresas. Depois foi para a arquitetura. Mas em algum momento foi trabalhar num hospital, onde passou a se dedicar a desenvolver atividades de criatividade e de ocupação do tempo livre para os doentes. Descobriu assim o teatro, mas enfrentava um problema: era gago. Desafiado por uma professora sua, passou a exercitar-se diariamente, falando mais devagar, sublinhando e destacando silabas e palavras, e assim venceu seu problema.

Homossexual assumido, criou, com o companheiro, o bailarino Andy de Groat, o grupo de artes Watermill Center, onde viveu até o final de sua vida, iniciada em 1941 (durante a II Grande Guerra, pois) e encerrada neste último dia 31 de julho de 2025, aos 83 anos de idade, tendo sofrido uma rápida mas letal doença, segundo comunicou formalmente a instituição.

Bob Wilson não gostava de falar muito. Seus espetáculos exploraram, desde logo, as potencialidades da iluminação. Mas ele tinha especial atenção para a música e para a dança. Também foi dramaturgo, além de desenhista (excelente aquarelista). Realizou espetáculos de teatro, dirigiu montagens de óperas e assinou filmes de curta e longa metragem. É responsável por centenas de produções, as mais variadas, desde a longínqua “The king of Spain”, de 1969.

O diretor norte-americano trabalhou em todos os continentes. Para ele, um espetáculo de teatro é antes de tudo, movimento (movimento do ator em cena, movimentos que ocorrem em cena a partir da iluminação e até mesmo dos ruídos que a trilha sonora possa propor). Ele não promove montagens realistas, ele interpreta e se inspira nos textos e, a partir de tais impulsos, desenvolve sua criação, inclusive apostando fortemente na própria criatividade de seus intérpretes.

Bob Wilson veio inúmeras vezes ao Brasil, especialmente a São Paulo, mas também a Porto Alegre, graças ao curador do festival Porto Alegre em Cena, o também diretor Luciano Alabarse, a quem devo, inclusive, agradecer pelas indicações dos espetáculos aqui apresentados. A relação e Bob Wilson com o festival começa em 2009, quando foi apresentada a peça “Quartett”, do dramaturgo alemão Heiner Müller, no Teatro do SESI. No ano seguinte, Wilson visitou novamente o festival, com a montagem de “Dias felizes”, de Samuel Beckett. Uma terceira parceria aconteceria em 2011, ainda com uma montagem de Beckett, desta vez, “A última gravação de Krapp”, sendo que nestes dois anos foi o palco do Theatro São Pedro o espaço selecionado.

Lembro com clareza o impacto de “Dias felizes”: na passagem do primeiro para o segundo ato, levando em conta que os dois intérpretes se colocavam absolutamente inertes (como aliás, exigida a didascália do texto), fiquei me perguntando como Wilson administraria a outra metade do espetáculo. A resposta veio logo na abertura da cortina: o cenário ajudava a responder, tanto quanto a iluminação.

Em “A última gravação de Krapp”, com o teatro absolutamente cheio, fomos surpreendidos por uma colossal tormenta, plena de raios e trovões: não conseguíamos saber, exatamente, se

Bob Wilson trabalhou com coreógrafos como Balanchine, Cunningham e Martha Graham; escritores como Allen Guinsberg e William Burroughts; dramaturgos como Heiner Müller, Bertolt Brecht, Büchner e trágicos gregos os mais variados. Em São Paulo, chegou a dirigir um espetáculo chamado “Garrincha” (2016) - evidentemente, este era o melhor personagem de Wilson, nunca o bem comportado Edson Arantes do Nascimento...

A jornalista Norma Couri, escrevendo para o “Observatório da Imprensa” a respeito do artista, propõe uma síntese sugestiva: “Bob Wilson foi um clarão na mesmice teatral”.

Por tudo isso, não se pode contar a história das artes, e em especial das artes cênicas, ao longo do século XX, sem a referência a Bob Wilson. Felizmente, seu trabalho ficou devidamente registrado em vídeos, filmes e registros os mais variados, garantindo que a natural efemeridade de um espetáculo de teatro não nos impeça de, no futuro, podermos descobrir, a cada momento, mais qualidades de suas criações.

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