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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 07 de Agosto de 2025 às 19:11

O cidadão da dança brasileira

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Antonio Hohlfeldt
O céu ficou mais bonito, registrou o site do Stagium Ballet, a respeito da morte do bailarino e coreógrafo brasileiro Décio Otero, aos 92 anos de idade, em 28 de julho. Décio criou mais de uma centena de coreografias, boa parte das quais para o Stagium Ballet e para sua mulher, a bailarina Marika Gidali. Fez carreira no Municipal do Rio de Janeiro, depois no exterior e, em 1971, com Marika, criou o Stagium Ballet.
O céu ficou mais bonito, registrou o site do Stagium Ballet, a respeito da morte do bailarino e coreógrafo brasileiro Décio Otero, aos 92 anos de idade, em 28 de julho. Décio criou mais de uma centena de coreografias, boa parte das quais para o Stagium Ballet e para sua mulher, a bailarina Marika Gidali. Fez carreira no Municipal do Rio de Janeiro, depois no exterior e, em 1971, com Marika, criou o Stagium Ballet.
O leitor registre bem: em 1971 o Brasil atravessava um dos períodos mais críticos da liberdade de expressão. Décio e Marika, considerando que a arte é sempre política e um ato de resistência, não apenas se preocuparam em desenvolver uma linguagem essencialmente brasileira para a dança, quanto escolhiam temas e enfoques socialmente críticos quanto à realidade nacional imediata.
Conheci o grupo quando de sua primeira visita a Porto Alegre, aliás, no palco do Theatro São Pedro. Passei a acompanhá-los em suas criações em São Paulo. Décio e Marika tinham enorme coragem em propor discussões que, obviamente, desgostavam às autoridades então vigentes. Daí as dificuldades em conseguirem financiamento para seus projetos. Assim mesmo, o Stagium foi o primeiro grupo coreográfico verdadeiramente nacional e que se preocupava em se tornar uma companhia de dança estável, coisa extremamente difícil para uma instituição que não tivesse um apoio diretamente governamental.
Diz Helenas Katz, uma das principais críticas e historiadoras da dança no Brasil e que, ao longo de toda a sua trajetória, acompanhou o Stagium:
"O ponto de partida, a ideia básica do trabalho, se centra num fenômeno tipicamente brasileiro conhecido por Ballet Stagium. O Stagium nasceu durante os anos mais autoritários de um golpe militar que perseguia e torturava estudantes, trabalhadores, a Igreja e os políticos no Brasil. Era o governo Médici, com AI-5, censura e crescimento econômico acompanhado de uma perversa distribuição de renda".
O Stagium trouxe Guimarães Rosa, Plínio Marcos, Cervantes, Dostoievski, dentre outros escritores e obras-primas da literatura, para os palcos brasileiros. Mas também trouxe a Declaração dos direitos do homem, num dos trabalhos mais provocadores de sua existência, porque ainda durante a ditadura, assim como a transposição do romance Quarup, de Antonio Callado, e assim por diante.
Pouco tempo depois, em 1975, seria a vez do Grupo Corpo iniciar suas atividades, também trabalhando temas sobre a realidade brasileira, por exemplo, a partir da canção Maria, Maria, de Milton Nascimento, a que tive a oportunidade de assistir, não apenas no Brasil quanto em Paris, levando os franceses à loucura absoluta.
Na medida em que ultrapassamos o período da ditadura e retomávamos a formalidade da democracia liberal, o Stagium, de certo modo, perdeu as suas referências, reencontrando-se, contudo, no momento em que chegamos ao período mais crítico da emergência de movimentos de extrema-direita no País, o que levaria à eleição de Jair Bolsonaro.
Marika e Décio mantinham, no conjunto da companhia, uma escola de dança. Com isso, além da formação de bailarinos, ambos desenvolveram uma importante influência na preparação de coreógrafos e, de modo geral, de artistas com clara consciência de nacionalidade e da responsabilidade social da dança.
Trabalhando na televisão para a difusão da dança, participando ou propondo festivais que ocorriam em estádios de futebol, com gratuidade ou a preços muito pequenos, os dois artistas dedicaram-se à popularização da dança, retirando-a do gueto das elites que remetem às suas origens históricas, nos aristocráticos salões russos ou parisienses.
Por tudo isso, a perda de Décio Otero é uma perda nacional. Não por um acaso, as manifestações sobre o desaparecimento do artista ecoaram por todo o País, desde a segunda feira retrasada. O Brasil se vê subtraído de um grande criador e um verdadeiro cidadão.
 

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