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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 10 de Julho de 2025 às 18:53

O que devemos a Augusto Boal

Um dos maiores nomes do teatro brasileiro e responsável pela criação do Teatro do Oprimido, Augusto Boal faleceu em 2009

Um dos maiores nomes do teatro brasileiro e responsável pela criação do Teatro do Oprimido, Augusto Boal faleceu em 2009

INSTITUTO AUGUSTO BOAL/REPRODUÇÃO/JC
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Antonio Hohlfeldt
Um dos mais graves problemas enfrentados pela cultura de países como o Brasil é o esquecimento e, em consequência, a ignorância e a falta de identidade. Explicando: há poucas semanas tivemos em Porto Alegre a passagem do ator Othon Bastos: quanta gente sabia quem ele era? Basicamente, os mais velhos, aqueles que chegaram a conviver o mesmo temo. Nem aqueles vinculados ao teatro sabiam exatamente quem era o ator extraordinário.
Um dos mais graves problemas enfrentados pela cultura de países como o Brasil é o esquecimento e, em consequência, a ignorância e a falta de identidade. Explicando: há poucas semanas tivemos em Porto Alegre a passagem do ator Othon Bastos: quanta gente sabia quem ele era? Basicamente, os mais velhos, aqueles que chegaram a conviver o mesmo temo. Nem aqueles vinculados ao teatro sabiam exatamente quem era o ator extraordinário.
O esquecimento produz a ignorância, que, por seu lado, gera a falta de identidade. Para a gente saber quem é, de fato, precisa saber de onde vem. Ora, ao não se saber de onde vem, deixa-se de se saber quem se é. Torna-se um círculo doentio: não sei quem sou, porque não sei de onde venho. E não sei de onde venho porque não identifico minhas referências, totalmente esquecidas (o mais das vezes apagadas). E a gente vira presa fácil de mentiras e de fake news.
Augusto Boal nasceu no Rio de Janeiro, em 1931 (um ano após a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, um sul-rio-grandense, o leitor identifica? - dizem que os gaúchos ataram os cavalos no Rio de Janeiro...): filho de um padeiro, ele e seus irmãos brincavam de fazer peças de teatro em casa. Acabou estudando Engenharia Química, o que o levou aos EUA, como bolsista da Columbia University. Lá, no entanto, ele resolveu também fazer a School of Dramatic Arts, sendo aluno de John Gassner, e conheceu Tennessee Williams e Arthur Miller - este, influência de radical não só em sua obra de dramaturgia, mas como diretor de teatro (e, em consequência, como intelectual).
De volta ao Brasil, no final dos anos 1950, começa a escrever e dirigir para o teatro. Sua estreia ocorre em 1956, com a peça de John Steinbeck, Ratos e homens. Era uma peça humanista, ainda que nascida das experiências concretas das profundas crises e mudanças sociais dos Estados Unidos dos anos 1930 (a chamada Grande Depressão). Com José Renato e Sábato Magaldi, junta-se ao Teatro de Arena, de São Paulo.
De modo geral, as primeiras direções de Boal estão vinculadas a textos de dramaturgos europeus devidamente traduzidas para o português - A engrenagem (Jean-Paul Sartre, 1960), A mandrágora (Maquiavel, 1963) - até que ocorre o golpe de 1964.
Boal não titubeia. O Centro Popular de Cultura, criado no âmbito da União Nacional dos Estudantes, propunha uma reflexão crítica a respeito da cultura e da realidade brasileiras. Já antes, havia escrito textos como Chapetuba Futebol Clube (1959), talvez a primeira peça a denunciar a corrupção no futebol brasileiro; José, do parto à sepultura, sintetizava, à maneira de Brecht, a história de um trabalhador brasileiro, socialmente marginalizado. Boal juntava, à crítica contundente, a ironia e a pura brincadeira jocosa de situações vividas na cotidianidade do País.
Depois de 1964, surge a necessidade de se falar a respeito da realidade duramente silenciada: em 1965, estreia Arena conta Zumbi, que viria a revolucionar a dramaturgia e a encenação brasileiras. Tomando o líder negro Zumbi como símbolo daqueles que resistiam à ditadura, Boal propunha, para a maior efetividade do espetáculo, um novo modo de representar. É o "sistema curinga", em que se abandona o estrelato do ator: todos os atores e atrizes interpretam todos os personagens alternadamente. O personagem é caracterizado apenas por uma roupa ou um objeto. Não há um astro em cena. Há uma coletividade.
Seguem-se Arena canta Bahia (1965), Arena conta Tiradentes (1968) e Arena canta Bolívar. Observe-se a alternância entre o "conta" e o "canta", até porque, de certo modo, tudo nascera a partir do show Opinião, de 1964, que renovava a antiga fórmula do teatro de revista do século XIX: mesclavam-se quadros musicais com esquetes temáticos. A consagração nacional e internacional levaria à constituição do chamado teatro do oprimido, que se extravasou pela América Latina (Boal tinha a preocupação de aproximar o Brasil da América hispânica): quando teve de se exilar, atravessou Argentina e Chile; depois se fixou na França.
O teatro e a dramaturgia brasileiras não seriam o que são, hoje, sem Augusto Boal, que faleceu em 2009, há 16 anos. Que não o esqueçamos.
 

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