No Palco Giratório deste ano houve espaço também para espetáculos que, a partir do folclore, propunham-se a desenvolver outros produtos, mesclando os diferentes registros, como As cores da América Latina, do Panorando Cia. e Produtora, de Manaus (AM). O espetáculo é relativamente curto, cerca de 45 minutos, mas isso não impediu que apresentasse um verdadeiro caleidoscópio de experiências, anda que não fossem exatamente apenas ou sobretudo da América Latina: na verdade, há algumas referências ao folclore peruano e chileno, sendo que todo o demais é relativo à cultura popular brasileira, sobretudo a do Amazonas e de algumas regiões do Nordeste. Se isso não corresponde ao título do espetáculo, aliás, vencedor do 34º Prêmio Shell de Teatro na categoria Destaque Nacional, não lhe tira nem o valor nem o interesse. Sobretudo porque, a partir da cultura popular, aquilo a que se assiste é um produto híbrido, muito bem elaborado, em que se exploram as raízes populares mas que se desenvolvem com experiências da cultura massificada ou industrializada, o que fica evidente sobretudo na trilha sonora (Talita Menezes) e na coreografia (criação coletiva), em especial nas máscaras de Fábio Moura e figurinos de Lú de Menezes, numa criação de Fábio Moura e da mesma Talita Menezes.
Escrevi que o espetáculo dura pouco, e precisa durar pouco, porque seu ritmo é alucinante, o que deve esfalfar os cinco intérpretes - Ana Carolina Nunes, Fernando C. Branco, Marcos Teles, Reysson Brandão e Talita Menezes. Aberta a cortina, os cinco bailarinos atuam sem parar um só segundo, em ritmos bastante fortes, em que não se sabe se são figuras masculinas ou femininas, por causa das máscaras do Fofão, oriundo da televisão brasileira, aqui transformado numa espécie de força telúrica que anima toda a "brincadeira", como se diz no Nordeste. Essa indeterminação de gênero faz com que a coreografia ganhe mais força, porque está repartida de maneira equilibrada entre as cinco figuras em cena.
O cruzamento de tantos elementos, de um certo modo, descaracteriza o lugar de origem e de identidade das figuras e dos bailados, mas, por isso mesmo, torna-os universais, de sorte que os acompanhamos atentos àquilo que acontece em cena e não, necessariamente, às referências originais que eles possam eventualmente trazer, enquanto suas origens. Diga-se de passagem, os cinco intérpretes são extraordinários bailarinos, porque precisos e infatigáveis, ocupando todo o espaço cênico. Aliás, o espetáculo, que seria apresentado no Teatro Renascença, cujas obras estão atrasadas, acabou transferido para o teatro de Câmara, o que, em meu entender, ajudou maior comunicabilidade, pela proximidade, do trabalho com o público.
Uma palavrinha sobre o Teatro da Câmara: incluído pela Secretaria Municipal de Cultura como parte da negociação da concessão do Auditório Araújo Viana, o espaço, de que tive a oportunidade de acompanhar a inauguração, ainda ao tempo do Secretário Frederico Lamachia Filho, tornou-se refém da produtora particular, sendo que quase exclusivamente dirigido a espetáculos de música, o que é lamentável.
O projeto arquitetônico de acessibilidade e de distribuição do espaço, em todo o caso, parece ter ficado bem resolvido. O que precisa melhorar, radicalmente, é a qualidade de recepção da equipe (não sei se existe) ao público, a começar pela disponibilidade de cadeiras ou poltronas na sala de espera, o que inexiste. É quase questão de saúde pública: se um cidadão mais idoso ou com algum problema nas pernas precisar esperar pela abertura da porta da sala, vai sentar no chão. Enfrentei este problema duas vezes, e não fora a equipe do Palco Giratório, no chão eu ficaria à espera... Outra questão é a segurança: como não há mais estacionamento junto ao prédio (o que é excelente, diga-se de passagem), os frequentadores do teatro precisam deixar seus veículos na rua, sem que haja um único guarda municipal para cuidar dos mesmos (afinal, a Guarda Municipal não serve também para isso?)
Enfim, apesar destes percalços, ter ido ao Teatro de Câmara foi um feliz reencontro com aquela sala, planejada para uns dez anos de existência e que quase chega a meio século, sobretudo pelo lindo espetáculo.