Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 08 de Maio de 2025 às 18:39

O aplauso delirante a 'Tom na Fazenda' no Teatro Simões Lopes Neto

Peça 'Tom na Fazenda' teve curta temporada em Porto Alegre no final de abril

Peça 'Tom na Fazenda' teve curta temporada em Porto Alegre no final de abril

LEEKYUNG KIM/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
Antonio Hohlfeldt
Quando morei em Montreal, nos anos 1974-1975, o grande dramaturgo francófono do país era Michel Tremblay, pertencente a uma família cujos membros têm contribuições às mais diferentes artes, da música à literatura. Nunca ouvi falar de Michel Marc Bouchard, nascido no interior do Québec, em 1958, e que foi aluno de Tremblay, na Universidade de Ottawa, tendo estreado como dramaturgo em 1987, com Lilies, transformada em filme em 1996. Daí se explica: ele ainda não havia começado sua carreira. Mas hoje em dia ele é o nome de referência da dramaturgia canadense, tendo boa parte de suas obras para o teatro transpostas também para o cinema, como é o caso desta Tom na fazenda (2011), que se tornou longa-metragem nas mãos de Xavier Dolan (aliás, vários dos filmes de Bouchard estão na plataforma Mobi).
Quando morei em Montreal, nos anos 1974-1975, o grande dramaturgo francófono do país era Michel Tremblay, pertencente a uma família cujos membros têm contribuições às mais diferentes artes, da música à literatura. Nunca ouvi falar de Michel Marc Bouchard, nascido no interior do Québec, em 1958, e que foi aluno de Tremblay, na Universidade de Ottawa, tendo estreado como dramaturgo em 1987, com Lilies, transformada em filme em 1996. Daí se explica: ele ainda não havia começado sua carreira. Mas hoje em dia ele é o nome de referência da dramaturgia canadense, tendo boa parte de suas obras para o teatro transpostas também para o cinema, como é o caso desta Tom na fazenda (2011), que se tornou longa-metragem nas mãos de Xavier Dolan (aliás, vários dos filmes de Bouchard estão na plataforma Mobi).
Num dos sites dedicados ao autor, encontramos uma citação dele, segundo a qual, adulto, resolveu assumir-se gay, inclusive junto aos pais, para poder desenvolver sua carreira de dramaturgo. Não conheço, além desta peça, outros textos de Bouchard mas é provável que ao menos algumas delas, como Tom na fazenda, abordem estas questões, utilizando o preconceito que rodeia os homossexuais para falar dos preconceitos em geral e, sobretudo, para falar das dificuldades que os seres humanos têm para aceitar uns aos outros.
Porque é disso que fala Bouchard, inclusive nesta peça, apresentada no novo Teatro Simões Lopes Neto: os preconceitos, os comportamentos-padrão que não podem/não devem ser quebrados. Bouchard, para discutir este tema, lança mão de situações variadas do cotidiano, em espaços sociais surpreendentes. Neste caso, é uma fazenda, perdida no interior do Québec, quem sabe, ou nas estepes do Manitoba, mas que poderia estar também no centro-oeste dos Estados Unidos, no agreste nordestino ou na pampa sul-rio-grandense. É um espaço isolado, enclausurado nas regras de comportamento social que não podem ser quebradas, condenando à marginalização ou ao exílio quem assim o faça.
É o caso de Guillaume, que se descobre homossexual. Quando o irmão mais velho assassina seu namorado, da maneira mais violenta possível, em nome dos bons modos, ele abandona a fazenda e segue para a grande cidade, onde alcança reconhecimento e sucesso profissional. Com sua morte, porém, é levado à família, para ser velado e enterrado, onde vai buscá-lo o então namorado, Tom, vivido por Armando Babaioff. A produção, dirigida por Rodrigo Portella, está há mais de sete anos em cartaz, frequentou festivais internacionais e, embora sempre falada em língua portuguesa, suscitou entusiasmo até mesmo de seu autor, que assistiu a uma performance no Brasil: me esqueci que era eu quem tinha escrito a obra, confessou ele.
O irmão assassino e machista é vivido por Iano Salomão, enquanto a mãe é interpretada por Denise del Vecchio e a jovem colega de Tom é Camila Nhary. O ritmo alucinante da encenação é desenvolvida por Babaioff e Salomão, inclusive por causa da cenografia de Aurora dos Campos, que transforma o espaço cênico num lodaçal onde os dois personagens se defrontam, inclusive fisicamente.
O público precisa ter fôlego para aguentar duas horas de encenação, com uma linguagem realista, situações que surpreendem a todo o momento e cenas de tortura claramente sugeridas: a iluminação de Ricardo Lyra ajuda fundamentalmente a criar o clima dramático, muitas vezes trágico, quando fecha os focos de luz num único personagem, isolando-o de todos os demais, por exemplo. E os figurinos de Bruno Perlatto permitem que a ação física seja eficientemente desenvolvida. Deve-se mencionar, anda, a coreografia de Toni Rodrigues, sem a qual não haveria um ritmo absolutamente preciso dos ataques e defesas dos personagens, cujos intérpretes acabariam por se ferir, mesmo que involuntariamente, se não estivessem bem ensaiados.
A gente não respira. A gente quer tirar os olhos da cena, mas não consegue. A gente quer reagir, mas fica preso à poltrona. No final, o aplauso delirante. Eu nunca havia visto isso numa sala de teatro.
 

Notícias relacionadas