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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 02 de Maio de 2025 às 00:40

Maria Helena Lopes, a atriz e criadora dos espetáculos inesquecíveis

Maria Helena Lopes faleceu no último dia 24 de abril, aos 90 anos

Maria Helena Lopes faleceu no último dia 24 de abril, aos 90 anos

/ADRI MARCHIORI/MINISTÉRIO DA CULTURA/REPRODUÇÃO/JC
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Antonio Hohlfeldt
A eventualmente atriz mas, sobretudo, diretora e roteirista de teatro Maria Helena Lopes faleceu na semana passada. Natural de Pelotas, completou 90 anos de vida, depois de ser professora do Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, entre 1967 e 1994, sendo uma das fundadoras do Grupo de Teatro Província, onde estreou com Brecht em câmara, de que fez a direção, e depois criou o Grupo Tear, em 1980, para desenvolver a investigação da linguagem teatral.
A eventualmente atriz mas, sobretudo, diretora e roteirista de teatro Maria Helena Lopes faleceu na semana passada. Natural de Pelotas, completou 90 anos de vida, depois de ser professora do Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, entre 1967 e 1994, sendo uma das fundadoras do Grupo de Teatro Província, onde estreou com Brecht em câmara, de que fez a direção, e depois criou o Grupo Tear, em 1980, para desenvolver a investigação da linguagem teatral.
Maria Helena era uma figura pequena de altura, sorriso humilde, como quem pedindo desculpas por ocupar espaço. Mas era gigante enquanto artista e criadora, dona de uma simpatia extraordinária e uma disponibilidade inimaginável para com as pessoas. Ela deixou marcas fortes, inclusive no ator companheiro fiel de muitos espetáculos, Sérgio Lulkin, um dos artistas mais bem dotados que o teatro de Porto Alegre já conheceu e que, felizmente, continua firme e forte em cena.
Acompanhei Maria Helena desde a sua estreia como atriz, mas o primeiro impacto veio com Flicts, transposição do maravilhoso livro de Ziraldo para o teatro, tarefa que, em tese, seria impossível. Mas ela fez, num diminuto mas flexível espaço do então Centro Social Israelita, no Bom Fim. Foi um impacto. Ainda agora, ao escrever, fecho os olhos e tenho a cena à minha frente. Leveza, criatividade, poesia, a verve de Ziraldo trazida para a cena.
A ópera dos três vinténs, de Brecht, com direção de José Paulo Vasconcellos, ainda pelo grupo do DAD, no acanhado teatrinho da Salgado Filho; O amante, de Harold Pinter; La pazzia senile, do italiano Adriano Banchieri; e Brecht em câmara foram espetáculos que se seguiram. Maria Helena experimentava suas capacidades, abria alternativas de criação, e então chegou o Tear: Crônica da cidade pequena, a partir de m texto de Gabriel Garcia Márquez, provocou outro impacto. O espetáculo valorizava tanto a palavra dramática quanto a presença corporal do ator em cena, e isso se tornou a constância do trabalho de Maria Helena. Ela sempre experimentava: se não fosse para avançar nas potencialidades do espetáculo teatral, ela não se interessava.
Sucedeu-se Quem manda na banda (1981) e, de novo, outro impacto: Os reis vagabundos (1983). Maria Helena avançava sempre: em 1988 realizou Império da cobiça, a partir de Eduardo Galeano. Para quem dizia que ela era uma alienada, a resposta vinha certeira. Seguiram-se uma experiência operística, com La serva padrona, de Pegolesi, e de novo o teatro em sua essência, com Kallwae - A farsa do convidado obsceno, do polêmico alemão Botho Strauss. Maria Helena ainda assinaria o renovador Partituras: Os atos, as palavras e as metáforas (1990), Shakexperience (1998) e Solos em cena (2001), creio que seu último trabalho de criação no palco.
Maria Helena foi homenageada, há poucos anos, com o Prêmio Eva Sopher, da Fundação Theatro São Pedro, mas não pôde receber pessoalmente a homenagem, por estar doente. É triste, sempre, a gente observar uma pessoa tão extraordinária ser derrubada por uma doença. Mas ela resistiu e, felizmente, os registros escritos, alguns vídeos e fotografias, além de depoimentos de atores e colegas de atividade, mostram e evidenciam o talento e a dimensão magnificamente humana desta criadora, eu diria, inesgotável: ela sempre estava a prestar atenção à realidade imediata para dela retirar algo que melhor nos revelasse, que mais pudesse nos dizer a respeito de nós mesmos.
O teatro sul-rio-grandense e brasileiro deve muito a Maria Helena. Não por acaso, instituições de todo o País se manifestaram a respeito de seu falecimento. Ela formou pelo menos duas gerações de atores, sugeriu experimentos criativos na linguagem teatral e, sobretudo, empolgou, envolveu e fez sonhar a todos os que tiveram a alegria e a ventura de, como eu, terem assistido a seus trabalhos, todos eles inesquecíveis.
 

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