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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 18 de Abril de 2024 às 20:02

Dia internacional do Teatro em celebração dupla

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Antonio Hohlfeldt
A passagem do Dia Internacional do Teatro, no último 27 de março, foi condignamente festejado pela Fundação Theatro São Pedro, com dois espetáculos ocorridos nos dois diferentes espaços da instituição, o Teatro Oficina Olga Reverbel, que estava justamente a completar um ano de atividades, e o palco principal do teatro.
A passagem do Dia Internacional do Teatro, no último 27 de março, foi condignamente festejado pela Fundação Theatro São Pedro, com dois espetáculos ocorridos nos dois diferentes espaços da instituição, o Teatro Oficina Olga Reverbel, que estava justamente a completar um ano de atividades, e o palco principal do teatro.
No Olga Reverbel, vindo do centro do País, Selvagem emocionou a entusiasmou a todos os que o assistiram. Trata-se de uma criação do diretor e ator Felipe Haiut, que se inscreve no que atualmente se chama teatro documentário. Partindo de sua própria biografia, Felipe recupera a memória de sua infância, a partir de uma primeira frase impactante: "aos cinco anos de idade, descobri que eu era uma criança viada". A constatação surge, para o pequeno, a partir dos esforços desesperados que os pais fazem para evitar que ele se evidencie homossexual.
Com leveza e humor, com inteligência e sensibilidade, sobretudo com enorme sentido de observação, o espetáculo dirigido por Debora Lamm, cocriadora do texto, desenvolve as diferentes, contraditórias, doloridas e, ao mesmo tempo, extremamente humanas experiências do menino, depois adolescente e, enfim, homem maduro, a descobrir, entender e afirmar sua sexualidade. O texto serve para nos recordar o quanto tem sido difícil compreender e respeitar tal situação, sobretudo se considerarmos que, até 1980, a OMS ainda via a homossexualidade como doença! É a respeito da afirmação de sua identidade e a busca e respeito de sua condição, que Selvagem se desenvolve, evidenciando, acima de tudo, a excelente dramaturgia que permite ao espetáculo se afirmar.
Felipe Haiut, independentemente de ser aquela ou não a sua própria história, é um extraordinário ator, porque evidencia uma construção dramática equilibrada, empática ao espectador e, com isso, com enorme comunicabilidade e compreensibilidade.
Já no palco principal do Theatro São Pedro, Ana Medeiros, conhecida no mundo do flamenco como La Negra, apresentou sua performance do Flamenco negro, repartindo o espaço com Patrícia Correa, Bianca Benevenutto, Rose Correa, Ariela Ilanoa e Jemina Reeda, além de Isadora Aunde, de São Paulo. Não se trata de um simples espetáculo de dança flamenca, embora também seja isso. O que conhecemos, no palco, é o resultado de uma militância que busca fazer reconhecer e documentar uma outra vertente do flamenco, não apenas a branca e de origem espanhola, mas também a negra, de origem sobretudo latino-americana. Aliás, há nas redes sociais um excelente ensaio de Giuliano Andreoli, professor da Uergs, a respeito deste espetáculo, na verdade, estreado em 2020 e agora remontado, mas sempre com acréscimos, pela dinâmica de seu próprio processo, que tem muito a ver com as experiências pessoais e de vida de cada uma das intérpretes, quer em relação a seu gênero, quer em relação a sua etnia, pois todas se reivindicam mulheres negras e, por esta condição, sofreram revezes e desrespeitos os mais variados.
A discussão sobre o flamengo negro surgiu, segundo Andreoli, em 2016, a partir de um artigo do espanhol Miguel Angel Rosels, e tem ganho espaço em todo o mundo onde o flamenco é dançado e onde encontramos seus cultores. Não se trata de diminuir seus alegados criadores, os espanhóis brancos, mas de chamar a atenção de que havia, além de ciganos, negros pobres que, ao migrarem para as Américas, trouxeram esta tradição. Trata-se, portanto, de revisar a história sociológica da dança e melhor entender as diferentes contribuições que a formaram ao longo dos séculos, até o momento atual. Sob os auspícios da Secretaria Municipal de Cultura, já que foi um espetáculo alusivo a mais um aniversário da cidade de Porto Alegre, foi uma bela maneira de a municipalidade homenagear, em sua data, parte daquela população que, embora muitas vezes marginalizada, contribuiu fortemente para a construção e desenvolvimento da cidade.
Assim, no Dia Internacional do Teatro, as duplas reflexões sobre identidades de gênero e etnia constituíram excelentes momentos de afirmação da arte e, ao mesmo tempo, de atualização de debates fundamentais para a formação e dinâmica de nossa cidadania.
 

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