Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 07 de Março de 2024 às 17:16

Textos dramáticos em livro, algo fundamental

Compartilhe:
JC
JC
Antonio Hohlfeldt
Antonio Hohlfeldt
A divulgação de uma dramaturgia, qualquer que ela seja, depende, evidentemente, da encenação de seus textos. Mas, para que a encenação ocorra, é preciso que os mesmos estejam disponibilizados. Ao tempo de um Shakespeare, por exemplo, os textos eram copiados, de maneira manuscrita, mas raramente estas cópias traziam a integralidade da obra, pois em geral faziam-se as cópias fragmentadas para cada intérprete. Por isso, a publicação dos portfólios, como ocorreu com o próprio Shakespeare, era fundamental, sob o risco de se perder a totalidade das obras.
O advento da impressão felizmente facilitou muito esta tarefa. Mas a edição de uma peça de teatro em livro nem sempre interessa aos editores, porque ela não é muito lucrativa: com exceção de raros estudiosos, o interesse por um texto de teatro se circunscreve aos grupos dramáticos, diretores, produtores, etc. E anda temos a questão das traduções, afim de que uma obra possa atravessar fronteiras.
Daí a importância de algumas editoras que vêm se especializando nesta tarefa, como a Cobogó, do Rio de Janeiro. Seu catálogo está hoje distribuído entre textos dramáticos brasileiros - a maior parte - dramaturgia espanhola e dramaturgia francesa.
Dentre os textos brasileiros, o gaúcho Diones Camargo teve a oportunidade de editar o super premiado A mulher arrastada, que ele mesmo dirigiu, para a interpretação de Celina Alcântara, a partir de um acontecimento verdadeiro, ocorrido numa comunidade do Rio de Janeiro.
Lembro bem do impacto que experimentei quando assisti à montagem, creio que no espaço do teatro Carlos Carvalho, na Casa de Cultura Mário Quintana. A peça tem cumprido diferentes temporadas, não apenas em Porto Alegre, mas também no interior do Estado e em outras capitais, graças a diferentes festivais.
O texto de Diones Camargo é importante minimamente por dois motivos: é uma dramaturgia experimental, extremamente ousada e criativa. Revela um dramaturgo dono de procedimentos estilísticos absolutamente contundentes para narrar aquilo a que o autor se propôs. Por outro lado, aquilo a ser narrado é um crime coletivo, gerado por, no mínimo preconceito: de gênero, de etnia e de classe social, anda que seus perpetradores sejam exatamente semelhantes à vítima, a quem, no entanto, não reconhecem como semelhante, mas a condenam a ser Outra, e menos que isso, uma Outra Subalterna. Por isso, a morte da mulher, provocada pelos militares, deve ser acobertada e seu significado, negado e apagado: uma mulher negra e pobre, ainda que mãe de família, não representa nada para quem usa farda, é homem e, embora alguns também sejam negros ou pardos, não se reconhecem enquanto tal, aproximando-se organicamente de seus contrários.
Importante, pois, a função da editora Cobogó, que é também a responsável pela difusão dos textos da atualmente mais importante dramaturga brasileira, Grace Passô, também mulher e negra, cujos obras são de uma contundência inesquecível.
Do outro lado, temos a editora Elefante, uma dessas pequenas editoras que se dedicam a segmentos muito específicos do mercado editorial. Neste caso, trata-se do texto de Makunaima, peça de Deborah Goldenberg, com as contribuições de Marcelo Ariel, que revive a figura de Mário de Andrade e de sua principal criação ficcional, a figura de Macunaíma, no romance do mesmo nome. Mario de Andrade, aliás, foi ainda recentemente tema de uma escola de samba, nos desfiles da avenida de 2024, o que mostra o quanto ele continua atualizado e atualizável.
Nesta obra, faz-se uma espécie de revisão crítica da obra de Mário de Andrade, discutindo-se o quanto ele, inspirado nas pesquisas de Theodor Koch-Grünberg, do início do século XX, teria deturpado ou não aqueles estudos, na criação de seu personagem.
Ambos os textos, tanto A mulher arrastada quanto Makunaima, estrearam em 2019 e estão agora com seus textos disponíveis, o que possibilita novas montagens e novos debates.
 

Notícias relacionadas