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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 15 de Fevereiro de 2024 às 18:28

Dramaturgia nativa do Brasil e do continente

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Antonio Hohlfeldt
Apesar de todos os retrocessos, preconceitos e dificuldades que a existência dos povos indígenas enfrenta em nossa sociedade, temos dado alguns passos à frente. Isso fica evidente quando temos acesso à coleção de textos dramáticos denominada Dramaturgias indígenas, coordenação editorial de Peter Pál Pelart e Ricardo Muniz Fernandes, numa coleção organizada por Andreia Duarte, apresentando textos dramáticos variados de diferentes lideranças indígenas no Brasil e da América Latina.
Apesar de todos os retrocessos, preconceitos e dificuldades que a existência dos povos indígenas enfrenta em nossa sociedade, temos dado alguns passos à frente. Isso fica evidente quando temos acesso à coleção de textos dramáticos denominada Dramaturgias indígenas, coordenação editorial de Peter Pál Pelart e Ricardo Muniz Fernandes, numa coleção organizada por Andreia Duarte, apresentando textos dramáticos variados de diferentes lideranças indígenas no Brasil e da América Latina.
Trata-se de projeto da N-1 Edições, com dez volumes pequeninos, menor ainda que o formato de bolso, assim organizados: Solilóquio (acordei e bati minha cabeça contra a parede), de Tiziano Cruz, do norte da Argentina; Amazonas - Ver a mata que te vê, de Márcia Kambeba, Rita Carelli e Murilo de Paula, a primeira liderança super conhecida, oriunda da comunidade do Alto Solimões; Contra Xawara, de Juão Nyn, do Coletivo indígena do Rio Grande do Norte, Estopô Balaio de Criação; Carcará, de Bárbara Matias, da comunidade do Mareco, Ceará; Nossa luta é ancestral, do Grupo de Teatro Maihui, dos povos do Oiapoque; Margarida, pra você lembrar de mim, de Luz Bárbara, indígena Kariri da Paraíba, hoje radicada em São Paulo; Ixofij Mongen - Todas as vidas sem exceção, de Paula e Evelyn González Seguel, do grupo Kimvn Teatro, de Santiago do Chile; Siaburu, de Xipu Puri e Dani Mara, formados pela Universidade Federal de Ouro Preto; Tape Mbyapeha - Caminhos da sabedoria, do Grupo Liberdade PKR, do grupo Guarani Kaiowá, de Amambai, Mato Grosso do Sul; e O silêncio do mundo, de Ailton Krenak e Andreia Duarte, ele líder indígena do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, ela atriz e diretora artística. Aliás, neste caso, quem assistiu, há cerca de quatro anos, o Porto Alegre em Cena, teve a oportunidade de conhecer este trabalho, apresentado por ambos, registro que aparece no próprio volume.
Há um último volume, assinado por Trudruá Dorrico, Luna Rosa Recaldes e Ziel Karapotó, que respondem pela arte editorial dos volumes, com texto final de Andréia Duarte, que apresenta os textos e discute a proposta da coleção.
O que chama a atenção, desde logo, é que a maior parte destes autores já ultrapassou a situação comunitária da aldeia, atingindo a formação universitária, e escolheu a expressão artística para concretizar os objetivos de sua luta de afirmação e de reconhecimento. Assim, não temos criadores 'amadores', mas gente muito competente e consciente do que está propondo e discutindo.
Dentre os textos apresentados, vamos encontrar dois grandes grupos, aquele que apresenta narrativas dramáticas de casos concretos, como as cartas escritas e enviadas por Tiziano Cruz a sua mãe, durante a pandemia da covid 19, em sua comunidade ancestral; ou o grupo que textos que emula os rituais comunitários e poéticos dos diferentes grupos autóctones e assim reflete a respeito da condição indígena, sua herança e sua importância civilizacional universal, como é o caso de O silêncio do mundo, já por nos conhecido.
Boa parte das produções resultam de residências artísticas patrocinadas por diferentes instituições culturais, dentre as quais o Sesc São Paulo. Outros, são pesquisas conjuntas, entre criadores brancos e nativos, o que permite um diálogo profundamente criativo e de reconhecimento e valorização cultural, o que é fundamental para que estas etnias sejam reconhecidas a partir de seus próprios valores, o que também enriquecerá as demais comunidades.
Quem teve a oportunidade de assistir ao trabalho de Ailton Krenak e Andreia Duarte há de lembrar que não se tratava exatamente de um espetáculo a que o público presenciava, distantemente. Era, de certo modo, um ritual a que o espectador poderia acessar, se assim se dispusesse e evidenciasse sensibilidade suficiente. Este aspecto - a disponibilidade para ouvir o Outro - é, talvez, o valor mais significativo desta coletânea. Porque tudo o mais advém desta disponibilidade.
No meio do turbilhão de barulhos que o carnaval urbano provoca, foi muito bom mergulhar nos sussurros que a floresta e seus habitantes, inclusive os humanos, podem nos propiciar através destes textos.
 

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