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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 08 de Fevereiro de 2024 às 18:44

Thiago Lacerda entre as personagens de Shakespeare

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Antonio Hohlfeldt
O Porto Verão Alegre, em sua vigésima quinta edição (meio século, quem diria...) encerrou seu cardápio de espetáculos trazendo um trabalho-solo do ator Thiago Lacerda, originalmente idealizado para uma versão online, mas que, agora, encontrou o espaço do palco, estreando, verdadeiramente, em Porto Alegre.
O Porto Verão Alegre, em sua vigésima quinta edição (meio século, quem diria...) encerrou seu cardápio de espetáculos trazendo um trabalho-solo do ator Thiago Lacerda, originalmente idealizado para uma versão online, mas que, agora, encontrou o espaço do palco, estreando, verdadeiramente, em Porto Alegre.
Lacerda fez uma opção corajosa, mas a ser valorizada: ele confiou na sua potencialidade de ator. Não vou referir a potencialidade do texto, por ser óbvio: foram três textos de William Shakespeare, com tratamentos diferenciados. O Hamlet, que o mesmo Thiago Lacerda havia encenado, inclusive aqui em Porto Alegre, há alguns anos, recebeu quase que metade do tempo total do espetáculo, cerca de uma hora. No caso, além de escolher passagens conhecidas e referenciais, ele praticamente fez um resumo estendido da obra, acompanhando-a em todo o seu desenvolvimento. Com Medida por medida, houve a redução da obra a um mero entremês, o que é injusto para com o texto; por fim, Lacerda fecha o trabalho com Macbeth, com menor atenção que aquela dada ao Hamlet, mas onde, de fato, ele melhor alcança seus objetivos.
É muito importante, primeiro, que um ator popular e, ao mesmo tempo, vinculado a grandes produções de televisão e de teatro, se disponha a participar de uma iniciativa como o Porto Verão Alegre. É prova de humildade e interesse em chegar realmente perto do público. Não errou o ator: o teatro estava lotado e a produtora comentava que, se houvesse três sessões, todas elas estariam igualmente cheias e com uma plateia interessada. Em segundo lugar, é importante que um ator da qualidade de intérprete que é Thiago Lacerda aceite se arriscar em uma experiência de espetáculo-solo e, ao mesmo tempo, enfrentando um texto clássico e conhecido, como a obra de Shakespeare. Isso desmistifica o autor e mostra, sobretudo, o quanto ele é viável e compreensível pelo grande público.
Terceiro, é fundamental que, com respeito, mas não sem certo arrojo e coragem, ao lado da humildade, o ator se disponha a entregar-se a si mesmo, confiar em seu talento, sem vaidade, com confiança e respeito pelo texto e pelo autor. Lacerda entrou em cena despojado, tranquilo, eu diria quase que em intimidade com o público que o aguardava, e nisso as características de casa de espetáculos do Theatro São Pedro ajudam muito. Inteligentemente, ele tratou de duplicar sua própria imagem, aproximando-a de duas formas do público, aquela que sua própria performance permitia, com maior ou menor proximidade do espectador em relação ao ator, conforme o lugar em que o sujeito estivesse sentado; depois, valendo-se da tecnologia e disponibilizando câmeras que projetavam sua imagem na parede nua do teatro, aumentando-a mas, por isso mesmo, possibilitando detalhes de sua imagem. Assim, o impacto dramático também foi duplicado, com excelente resultado cênico.
Aliás, toda a perspectiva do espetáculo esteve baseado neste princípio que, no entanto, não chegou a ser totalmente explorado pelo ator: se o foco de iluminação fechasse mais no intérprete quando ele incorpora o personagem, abrindo-se quando ele narra e se distancia, por exemplo, certamente o resultado teria maior impacto. Do mesmo modo, acho que ele poderia levantar-se entre um bloco de texto e outro, inclusive tirando ou acrescentando algum elemento de indumentária, para melhor caracterizar o texto: uma roupa desleixada em Hamlet, a toga do juiz de Medida por medida e, quem sabe, a coroa, no caso do Macbeth. Evidentemente isso não o faria melhor ator, mas ajudaria mais à comunicabilidade entre o público e o intérprete.
Independentemente destas que são minúcias, foi muito bom rever um ator de grande qualidade, que trata o texto com respeito, que evidencia não ter apenas decorado, mas introjetado o personagem. Quem assistiu esta única récita, certamente saiu empolgado e recompensado. Para quem não conseguiu desta vez, é provável que Thiago Lacerda retorne a Porto Alegre no segundo semestre, com o novo espetáculo que está a preparar.
Parabéns aos organizadores e comandantes do festival. O retorno pleno da mostra evidenciou qualidade, multiplicidade nas atrações e maior número de novos espetáculos, diminuindo a proporção das reprises, o que já andava cansativo.
 

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