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Teatro
Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt

Publicada em 25 de Janeiro de 2024 às 19:36

Temporada 2023 (III): Trimestre de múltiplas mortes

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Antonio Hohlfeldt
Em maio de 2023, mais uma vez por iniciativa do Sesc, tivemos a realização do 17º Palco Giratório, com espetáculos oriundos de todo o País, com ênfase em temas sociais como as chamadas (equivocadamente) minorias étnicas, quer abordando temas em torno de comunidades indígenas, quer as afro-brasileiras, e comunidades LGBT . Além do mais, Marisa Orth trouxe uma comédia que, por trás do riso, discutia importante questão social, o alcoolismo, com Barbara, que obteve grande sucesso junto ao público. Logo depois, outro espetáculo solo emocionava a todos: o fantástico Judy - O arco-íris, para mim, o melhor espetáculo do ano oriundo do centro do País, quando Luciana Braga, a partir de texto de Flávio Marinho, tendo como companhia apenas dois pianistas, conta toda a vida e a carreira da extraordinária e infeliz Judy Garland, mesclando a narrativa com sua própria história de atriz brasileira. Eu ficaria horas e horas assistindo a este espetáculo, sem cansar...
Em maio de 2023, mais uma vez por iniciativa do Sesc, tivemos a realização do 17º Palco Giratório, com espetáculos oriundos de todo o País, com ênfase em temas sociais como as chamadas (equivocadamente) minorias étnicas, quer abordando temas em torno de comunidades indígenas, quer as afro-brasileiras, e comunidades LGBT . Além do mais, Marisa Orth trouxe uma comédia que, por trás do riso, discutia importante questão social, o alcoolismo, com Barbara, que obteve grande sucesso junto ao público. Logo depois, outro espetáculo solo emocionava a todos: o fantástico Judy - O arco-íris, para mim, o melhor espetáculo do ano oriundo do centro do País, quando Luciana Braga, a partir de texto de Flávio Marinho, tendo como companhia apenas dois pianistas, conta toda a vida e a carreira da extraordinária e infeliz Judy Garland, mesclando a narrativa com sua própria história de atriz brasileira. Eu ficaria horas e horas assistindo a este espetáculo, sem cansar...
Nem tão bem sucedido foi outro espetáculo solo, O espantalho, texto de Werner Schünemann e Bob Bahlis, trazendo de volta a Porto Alegre o ator de Novo Hamburgo que fez sucesso em todo o País, nas telonas do cinema e nas telinhas da televisão. Logo depois, Mirne Spritzer e Sérgio Lulkin, também de volta aos palcos, mesmo que não tenham saído da cidade, emocionaram com seu Terra sem mapa, outro dos grandes espetáculos desta temporada, trabalho de se ver mais de uma vez, tal a sua poesia e sensibilidade.
Porto Alegre, então, foi invadido pelo Circo Mirage, do ator Marcos Frota que, durante vários meses, encantou gente grande e pequena e se integrou à vida da cidade, como se daqui fosse. E então, veio a segunda ópera da Companhia de Ópera, Os palhaços: mais uma vez, o trabalho liderado por Flávio Leite, inclusive com a participação do Grupo Tholl, mobilizou o público que lotou as três récitas. O espaço cultural da Vila Flores, por seu lado, mostrou-nos uma engraçada encenação de teatro de bonecos, Kasper e a cerveja do Papa, que encantou a todos: deveria ter ficado mais tempo. E os nossos grupos teatrais continuaram festejando seus aniversários, mostrando que há uma resiliência evidente de nossos artistas ao decidirem não deixar a cidade por alegados grandes centros. A Geda Cia. de Dança comemorou 40 anos com o espetáculo Andaime (Des)Construção do amor que trazia, ainda as coreografias de A piscina e Às vezes eu Kahlo.
A temporada vinha muito bem, mas daí, sofremos o primeiro de muitos abalos: a morte do ator e diretor José Celso Martinez Correa, no dia 6 de julho. O verdadeiro criador do Teatro Oficina, o pioneiro de uma linguagem revigorada e dinâmica das artes cênicas do País, sai de cena, e dramaticamente: morria queimado em seu apartamento, por um incêndio oriundo de um curto-circuito. Um mês depois, outra morte profundamente lamentável, a de Araci Balabanian. Com mais de 60 anos de carreira, atriz dramática e sobretudo atriz cômica, Araci mudou de endereço e foi divertir outros públicos, para nossa tristeza.
Mas a bruxa da morte não parava: dois dias depois, morria o diretor Aderbal Freire, um dos maiores diretores de teatro do País, criador de espetáculos inesquecíveis, como Apareceu a Margarida, com Marília Pêra. A partir de texto do então estreante Roberto Athayde, ele criou um inesquecível espetáculo que falava da violência institucional no País. Mas Aderbal Freire assinou trabalhos como Flicts (Ziraldo, 1973), Corpo a corpo (Oduvaldo Viana Filho, 1974), O caso do vestido, baseado em poema de Carlos Drummond de Andrade (1984), Mão na luva (Oduvaldo Viana Filho, 1984), Senhora dos afogados (Nelson Rodrigues, 1994), Tio Vânia (Anton Tchekov, 2003) etc. Seu último trabalho foi Incêndios (2013), a partir de texto de Wajdi Mouamad, a respeito da violência institucionalizada, em especial no Oriente Médio, mas não só. Aderbal foi um diretor crítico, extremamente cioso de sua responsabilidade, dedicado à cultura brasileira.
A morte ceifeira parece que só se deteria com o falecimento do dramaturgo e diretor Artur José Pinto, que morreu em 20 de novembro: um dos melhores comediógrafos das últimas décadas, observador perspicaz da realidade social, que sabia transformar em cenas impagáveis, Artur sucumbiu à doença e entregou os pontos. Perdemos sua criatividade e sua risada reveladora.

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