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Teatro
Antônio Hohlfeldt

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Publicada em 11 de Janeiro de 2024 às 17:25

Luto no teatro brasileiro com a morte de Jairo de Andrade

Jairo de Andrade faleceu no dia 30 de dezembro

Jairo de Andrade faleceu no dia 30 de dezembro

JOÃO MATTOS/JC
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Antonio Hohlfeldt
O pequeno estrabismo de que era portador Jairo de Andrade nunca o impediu de ver e compreender corretamente a realidade que o rodeava. Oriundo de Uruguaiana, estudou teatro no então Centro de Arte Dramática na Ufrgs. Com alguns colegas, dentre os quais Alba Rosa, mais tarde sua primeira esposa, e José Roberto Falleiro, criou o Grupo de Teatro Independente - GTI, que tinha um programa bem objetivo de trabalho. Deles assisti a uma versão de Esperando Godot, de Beckett, num acanhado e subterrâneo espaço na rua José Montaury, cuja entrada ficava bem em frente à porta de acesso ao mesmo CAD, e que já sediara atividades do Teatro de Equipe, então desfeito. Mas Jairo não estava satisfeito e conseguiu uma espécie de espaço ao rés-do-chão em um prédio da escadaria da Borges de Medeiros. O espaço nada tinha a ver com um teatro, mas ali Jairo e seus companheiros instalaram o GTI e começaram a construir - literalmente, com as próprias mãos - o ainda hoje resistente Teatro de Arena. Os atores se transformaram em peões de obra, e foram tão convincentes que até o então crítico de teatro do Jornal do Comércio, Marcelo Renato, com seus quase dois metros de altura e enorme magreza, integrou-se à equipe. Foi ali que o Arena começou a montar seus primeiros espetáculos, a partir de 1967. A plateia, no início, formada por uma série de "escadarias" transformadas em bancos, como nos estádios de futebol, mais tarde receberia cobertura para os assentos.
O pequeno estrabismo de que era portador Jairo de Andrade nunca o impediu de ver e compreender corretamente a realidade que o rodeava. Oriundo de Uruguaiana, estudou teatro no então Centro de Arte Dramática na Ufrgs. Com alguns colegas, dentre os quais Alba Rosa, mais tarde sua primeira esposa, e José Roberto Falleiro, criou o Grupo de Teatro Independente - GTI, que tinha um programa bem objetivo de trabalho. Deles assisti a uma versão de Esperando Godot, de Beckett, num acanhado e subterrâneo espaço na rua José Montaury, cuja entrada ficava bem em frente à porta de acesso ao mesmo CAD, e que já sediara atividades do Teatro de Equipe, então desfeito. Mas Jairo não estava satisfeito e conseguiu uma espécie de espaço ao rés-do-chão em um prédio da escadaria da Borges de Medeiros. O espaço nada tinha a ver com um teatro, mas ali Jairo e seus companheiros instalaram o GTI e começaram a construir - literalmente, com as próprias mãos - o ainda hoje resistente Teatro de Arena. Os atores se transformaram em peões de obra, e foram tão convincentes que até o então crítico de teatro do Jornal do Comércio, Marcelo Renato, com seus quase dois metros de altura e enorme magreza, integrou-se à equipe. Foi ali que o Arena começou a montar seus primeiros espetáculos, a partir de 1967. A plateia, no início, formada por uma série de "escadarias" transformadas em bancos, como nos estádios de futebol, mais tarde receberia cobertura para os assentos.
Significativamente, o texto de estreia do novo espaço foi a peça O Santo inquérito, de Dias Gomes, dirigido pelo próprio Jairo de Andrade, que logo descobrira não ser um bom ator, e atuava apenas quando a necessidade o obrigava, preferindo a direção dos espetáculos e, sobretudo, a administração do recém aberto espaço. O Santo inquérito falava a respeito de um processo ocorrido na Bahia, por parte da Inquisição, contra uma jovem ingênua e inocente, e era extremamente apropriado para falar dos tempos de ditadura que então se vivia.
Jairo tinha preocupação com a formação de plateias e, assim, a segunda produção do Arena foi o texto infantil de Maria Clara Machado O rapto das cebolinhas, assinado por Câncio Vargas, a que se seguiria Álbum de família, de Nelson Rodrigues, assinado por Pereira Dias. Ao mesmo tempo em que levantava a obra, fisicamente falando, e constituía um repertório, o Arena também criou uma revista (Teatro em revista), que chegou a alcançar pelo menos quatro edições.
Ao longo dos anos, Jairo sempre buscou abrir os horizontes do grupo. Foi ali que se instalou um jovem conjunto de atores, uma espécie de novo núcleo do Arena, o Grêmio Dramático Açores, que encenou um primeiro espetáculo denominado Descascando o abacaxi, que revelaria o diretor Luciano Alabarse. Foi ali que Ana Maria Taborda também constituiu seu jovem grupo para espetáculos mais revolucionários e formalmente preocupados com uma ação de intervenção na realidade imediata, criando-se o teatro-jornal, segundo proposta de Augusto Boal, que estreou em 1971.
Jairo de Andrade e sua equipe enfrentaram os mais variados problemas para a sobrevivência do Arena. Ora eram ameaças da extrema-direita, que prometiam destruir a casa, ora a invasão da polícia política, que entendia haver armas estocadas no teatro - na verdade, pedaços de fuzis emprestados pela própria Brigada Militar para a encenação do texto de Brecht Os fuzis da Sra. Carrar. Mais permanente que tudo, porém, foi a resistência dos moradores do prédio em terem um teatro em funcionamento naquele local. Em tempos de dificuldade, Jairo e Marlise Saueressig, sua segunda esposa e premiadíssima atriz, chegaram a morar no próprio teatro. O maior sucesso do Arena foi a montagem de Mockinpott, de Peter Weiss, com apoio do Instituto Goethe, com direção do espanhol José Luiz Gomez, que percorreu todo o País e recebeu todas as premiações possíveis.
Em 1980, diante de dificuldades financeiras, o Arena fecha as portas. Mas o Secretário de Estado da Cultura Carlos Jorge Appel, ao final dos anos 1980, consegue adquirir o espaço para o Governo do Estado e hoje o Arena sobrevive, devendo receber obras de redinamização logo no início deste ano de 2024, por conta da atual secretária Beatriz Araújo.
Jairo de Andrade foi sinônimo de resistência à ditadura. Foi sinônimo de amor e dedicação ao teatro. Jairo de Andrade, enfim, foi sinônimo de quem - apesar daquele pequeno estrabismo - enxergou muito mais e melhor do que muita gente de então. O teatro brasileiro está de luto.
 

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