Se qualquer autor de ficção ou de poesia enfrenta dificuldades para encontrar uma editora simpática a seus objetivos, imagine o leitor um dramaturgo... Por isso, iniciativas como a editora Giostri tem tomado, já há alguns anos, devem ser valorizadas. A Giostri é um complexo editorial voltado para textos infantis, psicologia, ficção e (pasme o leitor) dramaturgia. Basicamente, dramaturgia brasileira. Mas agora começa também a publicar ensaios a respeito de dramaturgos universais, como Arthur Miller e Eurípides.
No caso dos textos dramáticos, alguns autores do Estado têm encontrado, da parte da Giostri, um excelente acolhimento. Foi o caso de Júlio Zanotta que, em 2021, teve editados dez volumes, publicados numa bela caixa que reúne toda a coleção, além de ser possível adquirir cada volume isoladamente.
Agora, é a vez do dramaturgo e psicanalista Júlio Conte, que acaba de ter impressos três de seus textos, O rei da escória, creio que montada em 2007; Beckett-Bion, cuja data de estreia não recordo; e Latidos, o texto mais recente e, para muitos, depois da impactante e sempre renovada Bailei na curva, que completou 40 anos de encenações, sua melhor e mais madura obra (avaliação com a qual concordo plenamente, e assim escrevi quando da montagem a que assisti).
A publicação do texto dramático cumpre duas funções muito pragmáticas. Divulgar um texto é o primeiro momento de um espetáculo de teatro, para que um potencial diretor, um grupo teatral ou um intérprete, resolva investir tempo e dinheiro em uma eventual montagem; o segundo momento é, uma vez estreada a peça, tê-la fixada em letra de forma (muitas vezes, o texto original é mexido e cortado e emendado para que o texto possa ser melhor falado pelos intérpretes) e, assim, documentado o espetáculo teatral. No caso de Zanotta e de Conte, ambos possuem extensa, intensa e variada obra, ainda que cada uma delas com características absolutamente diversas. No caso de Júlio Conte, são mais de 40 anos de dramaturgia, com quase outro tanto de textos escritos e encenados, na maioria dos casos dirigidos por ele mesmo.
Conte tem uma diversidade muito criativa de matrizes que o inspiram em suas obras. Há as obras de fundo histórico, aquelas de referência à psicanálise e as outras, mais poéticas e 'literárias'. Podemos alinhar, entre as primeiras, as que realizam uma crítica sócio-histórica mais imediata e explícita, justamente esta O rei da escória: nestes casos, nem sempre Júlio Conte se dá, e eu tanto escrevi bem quanto eventualmente registrei discordâncias em relação a estas obras. Mas deve-se reconhecer que elas ficarão como depoimentos - por escrito - do dramaturgo que, deste modo, não se escusa a expressar sua opinião, dramaticamente constituída.
Há as obras que estão mais vinculadas a seu círculo profissional, a psicanálise, e neste caso Julio Conte se preocupa em explorar pequenos episódios que retira das sombras de uma eventual biografia e aos quais dá uma significação maior. Por fim, os textos que, como disse, são os mais 'literários', os mais livres, os mais criativos e, por isso mesmo, para mim, seus melhores trabalhos, como este Latidos.
Não sei os critérios invocados para escolher estes, e não outros textos de Julio Conte: espetáculos que venderam mais? Obras de que o autor mais gosta, ou preferências do editor? Seja lá quais forem as motivações, são três bons exemplos da dramaturgia de Conte. Pessoalmente, acho que Bailei na curva não poderia estar ausente, mas a peça já foi editada, há muitos anos, e talvez o editor tenha entendido que o texto estaria muito datado para poder gerar interesse em uma outra produção (à exceção daquela própria do grupo de Conte, e aqui em Porto Alegre - bastando relembrar o extraordinário sucesso que a temporada alcançou há cerca de dois meses, no Theatro São Pedro). Seja como for, Conte já tem outros textos publicados, como Se meu ponto G falasse e A coisa certa, de modo que, gradualmente, sua dramaturgia vai sendo registrada em volume e assim fica historicizada para além do espetáculo que, por natureza, é efêmero.
Os volumes são bem feitos, graficamente cuidadosos, com excelente revisão, com um álbum de fotografias e a ficha técnica de produção. Só faltou uma coisa, e esta faz falta: referência à data e ao teatro e local de estreia. Uma pena esta omissão. No mais, obrigado ao editor Giostri, e obrigado ao dramaturgo pela preocupação em registrar em letra de forma suas obras.


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