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Teatro

- Publicada em 19 de Outubro de 2023 às 17:25

'Bailei na Curva' segue oportuna

Desde a época de sua criação, por Júlio Conte e o conjunto de seus companheiros, que acertaram em cheio no tom do que estava a ser mostrado, Bailei na curva mostrou ao que vinha. Na época, quem assistiu ao espetáculo rememorava os acontecimentos mais próximos e projetava a esperança de que a Constituinte de 1988 - de que, aliás, comemoramos há pouco os 35 anos - significaria a redenção do que se sofrera. Na verdade, a Constituinte viu nascer um agrupamento amorfo, interesseiro e pouco cidadão, a que já na época se denominou "centrão" e que, mudando de aspecto a cada momento, mas jamais abandonando os interesses espúrios e egoístas, perdura até hoje. Aliás, lembro de meu sentimento de frustração e de tristeza imensa quando assisti à montagem mais recente, na sala do CHC Santa Casa, lembrando justamente daquela esperança, então frustrada, por tudo o que se sucedeu.
Desde a época de sua criação, por Júlio Conte e o conjunto de seus companheiros, que acertaram em cheio no tom do que estava a ser mostrado, Bailei na curva mostrou ao que vinha. Na época, quem assistiu ao espetáculo rememorava os acontecimentos mais próximos e projetava a esperança de que a Constituinte de 1988 - de que, aliás, comemoramos há pouco os 35 anos - significaria a redenção do que se sofrera. Na verdade, a Constituinte viu nascer um agrupamento amorfo, interesseiro e pouco cidadão, a que já na época se denominou "centrão" e que, mudando de aspecto a cada momento, mas jamais abandonando os interesses espúrios e egoístas, perdura até hoje. Aliás, lembro de meu sentimento de frustração e de tristeza imensa quando assisti à montagem mais recente, na sala do CHC Santa Casa, lembrando justamente daquela esperança, então frustrada, por tudo o que se sucedeu.
Relutei, por tudo isso, a voltar a assistir ao espetáculo. Mas o fato de se comemorarem 40 anos da estreia do espetáculo, e de Júlio Conte continuar ativo enquanto dramaturgo, escrevendo e dirigindo permanentemente, alcançando por vezes textos extraordinários como o mais recente Latidos (e mais do que isso, a consideração de que a obra dramatúrgica de Conte está a se constituir numa espécie de crônica da realidade brasileira destas últimas quatro décadas) acabou me decidindo a voltar ao teatro e a me reencontrar com o histórico, a estas alturas, texto de Bailei na curva.
É interessante registrar-se que, quase na mesma época, um outro dramaturgo, Naum Alves de Sousa, também escreveu uma espécie de memória dramatúrgica daqueles tempos, valendo-se de uma estrutura narrativa semelhante, em torno de uma turma de crianças de uma escola. Trata-se de A aurora da minha vida, editada em livro em 1982 (Bailei na curva estreou em 1º de outubro de 1983, no Teatro do IPE, que em boa hora deve ser revitalizado pela Sedac, e foi publicado em livro pela L&PM na primavera de 1984). Ou seja, não se pode falar em coincidência, apenas. Houve, por parte de ambos os dramaturgos, uma sensibilidade - provavelmente a mesma vontade de constituir um depoimento a respeito do que se acabara de vivenciar. A diferença, importante, é que Naum Alves de Sousa voltou-se inteiramente ao passado, de certo modo congelado, o que se traduz inclusive pelo título da obra: é uma peça verdadeiramente rememorativa, que fala de algo que foi. Naum se preocupa em evidenciar que a escola foi, efetivamente, um aparelho ideológico de Estado, como quer Louis Althusser, para reproduzir valores ideológicos de um determinado tempo. Conte, de outro lado, mostra como aquele passado evoluiu historicamente, trazendo à cena as consequências do que ocorreu, a partir das diferentes trajetórias dos múltiplos personagens: os que se tornaram "desaparecidos", sequestrados e assassinados; os que aderiram ao sistema e a seus valores, ajustando-se aos interesses mais imediatos; os que viajaram por diferentes experiências em busca de realização etc. No final da peça, enquanto Naum Alves de Sousa enfatiza a responsabilidade instrumental da escola, Júlio Conte prefere apostar na esperança, simbolizada pelo casal constituído da jornalista - que busca recuperar a memória daqueles tempos - e o pai, que vive uma experiência diversa daquela que normalmente estava destinada a ele, dentro de uma sociedade formal: de qualquer modo, a criança - espera-se - resultará numa pessoa diferente - espera-se - que não chegaria a repetir os procedimentos da geração anterior.
Daí que, ao me reencontrar com Bailei na curva, dirigi minha atenção especialmente à plateia. Vislumbrei os que viveram aqueles acontecimentos e que a peça faz emocionar - mas há também as novas gerações, que têm curiosidade, se divertem com as práticas culturais de então, hoje "ultrapassadas" - mas que são, gradualmente, cativadas pelo dinâmico texto, as interpretações simplesmente brilhantes, e o espetáculo que está sempre se encerrando numa espécie de apoteose, numa comemoração coletiva que, espero eu, seja uma comemoração compreensiva do que significa a democracia e o humanismo.
Presta um excelente serviço ao Brasil contemporâneo a obra de Júlio Conte e de seus antigos companheiros, felizmente, sempre relembrados. Conte, que é psicólogo, mostra ter compreendido bem a psicologia do brasileiro, e por isso Bailei na curva - que, ao contrário do título, não é um registro desesperançado, pelo contrário, aposta no futuro - continua a ser oportuno e alcançar sucesso.