Minha primeira e, até então, única visita à Inglaterra ocorreu há mais de trinta anos e tinha um objetivo específico: estava concluindo minha dissertação de mestrado, em torno da obra literária de Ivan Pedro de Martins que, na ocasião, era assessor para assuntos de Economia da Embaixada do Brasil em Londres, o que me levou à capital inglesa. Foram dois dias de intensa atividade centrada em entrevistas e depoimentos do escritor. Não houve tempo para nada mais.
Portanto, um retorno àquele país exigia um outro tipo de programação, centrada, evidentemente, na figura do dramaturgo William Shakespeare. Assim, dois pontos obrigatórios de visita se colocaram: o teatro The Globe, em Londres, e a cidade de Stratford upon Avon, para conhecer as casas do ator e diretor mais famoso de seu país, ainda que se tenham passado 400 anos, já que ele viveu entre 1564 e 1616.
Visitar The Globe, às margens do Tâmisa, é como fazer uma viagem no tempo. O The Globe original foi destruído por um incêndio, em 1613. Se é que Shakespeare ainda atuou como ator ou chegou a dirigir alguma peça no prédio que o sucedeu, é quase certo que não teve mais nenhuma nova obra sua ali estreada. Ele morreria três anos depois.
Durante o reinado de Elizabeth I, que ascendeu ao trono em 1558 (seis anos antes do nascimento do próprio Shakespeare), o teatro teve enorme desenvolvimento na Inglaterra e, especialmente, em Londres, onde chegou a haver 23 teatros comerciais em funcionamento! A revolução puritana de Crowell acabaria com isso.
O primeiro grande teatro a ser construído e a alcançar sucesso foi o The Theatre, de James Burbage, onde Shakespeare começou a atuar, em 1580. Mas em 1596 Burbage perdeu a licença de locação da área em que erigira o prédio e foi obrigado a fechar a que então já era conhecida como os Lord's Chamberlain Men (Chamberlain era o encarregado de organizar os entretenimentos da corte). Com a morte de Burbage, em 1597, os filhos Cuthbert e Richard alugaram um outro terreno, demoliram o The Theatre e, com o material, erigiram o The Globe. Shakespeare foi um dos quatro atores que comprou uma parte dos direitos da companhia, que abriu a casa em 1599. Durante 14 anos William ali estreou suas obras.
Em 1603, já sob o reinado do Rei James, o grupo de Shakespeare tornou-se The King's Men e desenvolveu suas atividades até 1613, quando, durante uma performance da peça Henrique VIII, o The Globe foi destruído por um incêndio. Shakespeare retornou à cidade de origem e ali morreu, poucos anos depois.
O The Globe renasceria, em 1970, graças ao ator e diretor norte-americano Sam Wanamaker, que iniciou um projeto de construir uma réplica do prédio original, enquanto teatro e centro de educação dramática.
O realizador norte-americano conseguiu reunir um conjunto significativo de investidores e doadores, e a partir do projeto do arquiteto Theo Crosby, iniciou sua obra, inaugurada em 1997, pouco depois de sua morte. Uma segunda casa de espetáculos, a Sam Wanamaker Playhouse foi também construída, ao lado, iniciando atividades em 2014, para atividades de formação dramática e estreias de outros textos de teatro. Se o Sam Wanamaker Playhouse é uma tradicional construção de um teatro italiano, o The Globe manteve suas características de teatro a céu aberto, conforme o prédio original de 1599.
Tanto no passado, quanto no presente, o prédio está relativamente apertado pelas construções que existem em seu redor. Na contemporaneidade, há uma ponte que atravessa o Tâmisa, além de um dos cinco aeroportos de Londres, cujos aviões, ainda que não sobrevoem o teatro, propriamente dito, interferem nos espetáculos com o ruído de seus motores, sobretudo nos horários noturnos. Isso não deixa de ser uma atração a mais, essa realidade distópica: para quem se coloca especialmente na frisa mais alta, como eu, e fica próximo ao céu londrino, olhando para cima vislumbra os aviões que, a toda a hora, decolam da pista de Heathtrow; embaixo, o palco que se projeta sobre a plateia, que o envolve por três lados (ele é convexo), enquanto os personagens shakespereanos ressuscitam e fazem soar as palavras escritas pelo bardo de Stratford upon Avon, no meu caso, o Macbeth de 1606, portanto uma obra de maturidade do poeta. É, sem dúvida, uma experiência inesquecível.


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