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Teatro

Teatro

- Publicada em 27 de Abril de 2023 às 17:53

Nova incursão de Patrícia Fagundes e sua troupe

Patrícia Fagundes dá prosseguimento ao projeto Cabarés do sul do mundo, com financiamento do Pró-Cultura RS, Fundo de Apoio à Cultura, da Sedac, estreando o segundo espetáculo da série, Cabaré do amor rasgado. Também dividido em dois atos, como o trabalho anterior, Cabaré do amor rasgado, se comparado com o trabalho que o antecedeu, apresenta avanços e apresenta algumas frustrações.
Patrícia Fagundes dá prosseguimento ao projeto Cabarés do sul do mundo, com financiamento do Pró-Cultura RS, Fundo de Apoio à Cultura, da Sedac, estreando o segundo espetáculo da série, Cabaré do amor rasgado. Também dividido em dois atos, como o trabalho anterior, Cabaré do amor rasgado, se comparado com o trabalho que o antecedeu, apresenta avanços e apresenta algumas frustrações.
Do ponto de vista do espetáculo, Patrícia Fagundes confirma a competência de uma diretora de cena capaz de trabalhar com grandes grupos de intérpretes, dando-lhes liberdade de expressão e de criação, mas, ao mesmo tempo, sem perder a perspectiva de unidade do espetáculo. Este trabalho aparece com mais ritmo, maior unidade de linguagem, parece que com melhor compreensão e adesão dos intérpretes à concepção do trabalho. O público reage muito bem, não só por isso, mas também porque mudou um pouco o material com que a realizadora lida: há mais números musicais, aproximando o espetáculo da própria concepção do "cabaré", e mais humor, o que sempre agrada à platéia.
Do ponto de vista da dramaturga, no entanto, Patrícia Fagundes, de certo modo, fica devendo. O tema é complexo, amplo, quase infinito. Roland Barthes já escreveu, há muitos anos, uma obra clássica, Fragmentos de um discurso amoroso, de 1977, que depois encontrou uma versão por meio de Antonio Fagundes, em 1988. Não há que se esperar que um livro ou um espetáculo de teatro bailado possa falar de todos os aspectos do amor em todas as suas variações e diferentes concepções e concretizações. Mas aqui ocorre a falha da dramaturga. Patrícia Fagundes deveria ter sido mais humilde num dos primeiros momentos deste seu novo texto: ela antecipa e promete que vai falar dos vários tipos do amor. E isso acaba não acontecendo, até porque seria impossível. Motivo pelo qual ela não deveria/poderia prometer. Vejamos: no primeiro ato, temos os amores entre duas pessoas, em muitos de seus aspectos, das paixões frustradas às realizações máximas. As simbioses entre o texto e a trilha sonora são perfeitas e mobilizam a plateia.
Na segunda parte, Patrícia Fagundes optou por um único outro amor, o amor ao teatro. E isso é absolutamente legítimo da parte dela. Mas, ao fazer isso, deixou de lado aquele amor que leva os heróis ao sacrifício, que leva os santos à execução, que leva os apóstolos à redenção: ficam de lado figuras como um Tiradentes, uma madre Teresa de Calcutá, um Mahatma Gandhi etc. Reitero, não haveria como abordar todos estes aspectos do amor, daria um espetáculo tão grandioso quanto a versão cinematográfica do Mahabaratha hindu, a partir do roteiro de Jean-Claude Carrière, com direção de Peter Brooks. Mas, por isso mesmo, não deve prometer.
De qualquer modo, na segunda parte do espetáculo, Patrícia Fagundes fala a respeito do seu, do nosso, do amor de todos os que nos relacionamos com o teatro. Aliás, Patrícia Fagundes publicou, recentemente, importante reflexão teórica em artigo intitulado Composição dramatúrgica: Práticas de criação cênica (Revista cena em Movimento, PPG em Artes Cênicas da URGS, nº 29, st./dez. de 2019), em que ela discute as concepções cênicas sobre as quais se baseia sua criação. A própria expressão "composição dramatúrgica", usada no programa da peça, traduz este conceito, que é uma articulação entre suas ideias e as contribuições de seu elenco. Neste sentido, o espetáculo nasce do coletivo e se realiza pelo e através do coletivo: a fragmentação aparente é, na verdade, a manifestação do variado num conjunto coletivo que se identifica e cria e constrói sua própria identidade. Isso fica claro, aliás, neste novo trabalho, e por isso ele é, enquanto espetáculo, mas resolvido e mais realizado que o anterior. Cabe à dramaturga, agora, rever o texto, mudar a promessa impossível de ser cumprida e dar sequência às suas experiências. O público só tem a agradecer.
Por fim, volto a insistir sobre a coragem de Patrícia Fagundes e de seus companheiros de aventura na construção do espaço chamado Zona Cultural. A determinação e ousadia em locarem um espaço, preencherem-no, assumirem impostos, enfrentarem as exigências do PCCI, tudo isso porque acreditam na arte, em especial a arte do teatro, é simplesmente emocionante: ficamos seus devedores, sempre.