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Teatro

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- Publicada em 19 de Abril de 2023 às 17:29

Emoção e racionalidade

Embora forme, com Arthur Miller, Tennessee Williams e Eugene O' Neil, o quarteto de referência da moderna dramaturgia norte-americana, nem sempre Edward Albee é devidamente valorizado fora de seu país, em que pese ter recebido três prêmios Pulitzer, dois deles dirigidos a textos como Paisagem marinha, em cartaz neste momento, numa montagem dirigida por Regius Brandão, e Três mulheres altas, que nos visitou recentemente. Ou seja, Albee, mais conhecido por textos como Quem tem medo de Virginia Woolf? ou por História do Zoológico, sua peça de estreia, tem maior reconhecimento estético por outras obras, por casualidade duas das quais chegam a Porto Alegre numa mesma temporada.
Embora forme, com Arthur Miller, Tennessee Williams e Eugene O' Neil, o quarteto de referência da moderna dramaturgia norte-americana, nem sempre Edward Albee é devidamente valorizado fora de seu país, em que pese ter recebido três prêmios Pulitzer, dois deles dirigidos a textos como Paisagem marinha, em cartaz neste momento, numa montagem dirigida por Regius Brandão, e Três mulheres altas, que nos visitou recentemente. Ou seja, Albee, mais conhecido por textos como Quem tem medo de Virginia Woolf? ou por História do Zoológico, sua peça de estreia, tem maior reconhecimento estético por outras obras, por casualidade duas das quais chegam a Porto Alegre numa mesma temporada.
Se Paisagem marinha é de 1974, Três mulheres altas é de 1990, tendo estreado no Vineyard Theatre, da Broadway, em 1994. No Brasil, recebeu primeira e única montagem em 1995, com Beatriz Segall, Nathalia Timberg e Marisa Orth, em espetáculo de José Possi Neto. A montagem que nos visitou, emocionou e tornou-se espetáculo inesquecível vem assinada por Fernando Philbert. No texto de Albee, dividido não apenas em dois atos, quanto em dois tempos, encontramos uma mulher idosa e esclerosada, autossuficiente e egoísta, interpretada magistralmente por Suely Franco; ela é acompanhada por uma dama de companhia, vivida com personalidade por Deborah Evelyn; com elas contracena uma jovem advogada, enviada pelo escritório que atende aos interesses da mulher mais velha, inexperiente e às vezes até inconsequente, interpretada por Nathalia Dill, que se equilibra muito bem ao lado das duas experientes atrizes. A dramaturgia original não batiza nenhuma das três personagens, designando-as apenas como A, B e C. Isso atende ao plano da obra porque, no segundo ato, temos um hipotético futuro, em que A, B e C não são mais figuras diversas, mas a mesma personagem em épocas distintas: juventude, maturidade e, agora, a velhice.
Se, no primeiro ato, Albee coloca em disputa diferentes valores da sociedade americana, criticando-os ostensivamente, no segundo ato ele aproveita para examinar criticamente a evolução daquela personagem velha, apresentando os resultados que aqueles valores da sociedade americana provocam numa espécie de perda de perspectiva humanista. Embora A não deixe de evidenciar sentimentos e reações com as quais possamos nos identificar, ela traduz uma personagem que representa idealmente a criatura capitalista e calculista que quer vencer na vida e, para isso, faz todo e qualquer tipo de jogo, começando pelo fato de ser uma mulher bonita e alta (daí o título da peça, resumindo as três mulheres altas, na verdade, em uma só, em diferentes momentos de sua vida). Por ser alta, olha tudo e todos de cima, chegando a desposar um homem mais baixo, sobre o qual mandará ao longo da vida, mas que é rico e apaixonado por ela e que lhe permitirá chegar ao contexto por ela ansiado.
Albee é ferino ao abordar práticas e valores da sociedade norte-americana dos anos 1960 a 1980. A perspectiva, talvez não decepcionada, mas profundamente discordante que ele traduz é aquela mesma que vemos em A morte do caixeiro viajante, de Miller, Longa jornada noite adentro, de O'Neill, ou The glass menagerie, de 1944 (e que assistimos no Theatro São Pedro nos anos 70, creio que dirigido por Pereira Dias): na sociedade norte-americana do pós-guerra não há mais lugar para o humanismo, a ética ou a rebeldia moral. O principal valor social é o dinheiro e o sucesso social. Quem não jogar segundo estas regras, é marginalizado, destruído, excluído.
A direção de Fernando Philbert valorizou fortemente as competências individuais de cada atriz. O resultado é uma dupla e complexa composição de personagens, porque elas são diferentes (a exceção de A) entre o primeiro e o segundo atos, sobretudo porque, no segundo, B e C são desdobramentos de A, enquanto que no primeiro ato elas se diferenciam mais fortemente.
O cenário de Natália Lana é simples e apropriadamente se centraliza entre a cama de defunto e o sofá em que A sobrevive. Dois objetos significativos para a trama (o sofá enquanto trono, a cama enquanto espaço de morte que a tudo e todos iguala). Os figurinos de Tiago Ribeiro têm grande papel na diferenciação de personagens entre o primeiro e o segundo ato.
A dramaturgia de Edward Albee, uma vez mais, é inteligente, sensível, arguta e eficientemente inusitada. Por tudo, Albee ainda está por ser melhor valorizado no Brasil. É um espetáculo dramaticamente impactante, equilibrando sabiamente emoção e racionalidade.