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Teatro

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- Publicada em 05 de Abril de 2023 às 18:48

A escrava Isaura agora é militante pela Amazônia

Vozes da floresta nasceu de uma entrevista gravada pela atriz Lucélia Santos com o militante ambientalista Chico Mendes, em Xapuri, no ano de 1988. Ele se considerava um homem "marcado para morrer" e, por isso, insistira muito com a atriz, então militante do Partido Verde, para que considerasse uma viagem ao Acre. Chegando na localidade, Lucélia Santos, segundo revela no próprio espetáculo, compreendeu a tragédia e o perigo: sim, Chico Mendes não viveria muito tempo. Com um pequenino gravador cassette, foi conversando com o ambientalista. Poucos dias depois, ele seria assassinado.
Vozes da floresta nasceu de uma entrevista gravada pela atriz Lucélia Santos com o militante ambientalista Chico Mendes, em Xapuri, no ano de 1988. Ele se considerava um homem "marcado para morrer" e, por isso, insistira muito com a atriz, então militante do Partido Verde, para que considerasse uma viagem ao Acre. Chegando na localidade, Lucélia Santos, segundo revela no próprio espetáculo, compreendeu a tragédia e o perigo: sim, Chico Mendes não viveria muito tempo. Com um pequenino gravador cassette, foi conversando com o ambientalista. Poucos dias depois, ele seria assassinado.
O material colhido por Lucélia Santos ficou guardado durante 34 anos mas, no ano passado, diante da tragédia dos índios yanomami, ela entendeu que precisava fazer alguma coisa e 'desenterrou' a gravação. O desafio passou a ser o que fazer dramaticamente, isto é, teatralmente, com aquilo. O texto de Zezé Weiss de certo modo responde à questão. Se posso criar uma categoria, diria que é um "teatro depoimento" ou um "teatro documental". Não será, certamente, algo inédito. Se lemos as anotações do dramaturgo e diretor brasileiro Augusto Boal, ainda nos anos 1980, ele defendia um teatro que pudesse abordar a realidade imediata de maneira mais contundente e fidedigna. Nasceria daí alguns tipos de espetáculos bastante interessantes, como o chamado "teatro jornal", além do desenvolvimento da técnica do teatro coringa, em que um mesmo personagem é representado por diferentes atores, caracterizando-se tal personagem apenas por algum objeto que o distingue dos demais.
No caso de Vozes da floresta, a própria origem do material, de certo modo, foi mantida: Lucélia Santos contracena com um ator, cujo nome, infelizmente, o material promocional do espetáculo não registra, que é uma espécie de interlocutor e entrevistador. Ele vai lhe fazendo perguntas, provocando-a a lembrar dos diferentes episódios.
É assim que se volta aos anos 1960, ainda em plena ditadura - tempos de Médici, quando o conceito de "Brasil grande", de "desenvolvimento econômico" e coisas semelhantes definiam a política nacional. E quem fosse contra, evidentemente, era comunista. O leitor pensa que estamos falando dos últimos quatro anos? Não, mas as coisas se repetem, sim, e por isso Vozes da floresta é importante. Aliás, acho um equívoco que a produção do espetáculo não busque circuitos alternativos, como ocorria naqueles tempos, junto a universidades, pontos de cultura, escolas de segundo grau, etc. Se Lucélia Santos quer, mesmo, denunciar e ampliar seu público, precisa mostrar este trabalho não só em teatros, mas nos espaços os mais variados possíveis, como defendiam os idealizadores do Teatro de Arena de São Paulo, e de Porto Alegre, ao tempo dos CPCs - Centros Populares de Cultura (anos 1960).
Na concepção do trabalho, que ocupa muito bem mesmo um palco de dimensões relativamente grandes, como o do Theatro São Pedro, está colocada uma grande mesa que, conforme a atriz e narradora, emula a mesma mesa em torno da qual ela entrevistou Chico Mendes. Sucessor de Wilson Pinheiro, também assassinado, e que em certo momento foi valorizado e reconhecido pelo PT, mas depois esquecido, Chico Mendes organizou os sindicatos de seringueiros e extrativistas do Acre mas, mais que isso, idealizou a formação de alianças entre os chamados povos da floresta, aí incluídos os índios, sugerindo depois a criação de reservas para os povos nativos e ribeirinhos, algumas das quais foram, de fato, constituídas e sobrevivem ainda hoje, apesar dos pesares. Ou seja, o espetáculo evidencia uma relação muito concreta com a atualidade, e por isso é importante. Mas vale muito o fato de que Lucélia Santos encontrou uma linguagem teatral, como a junção da projeção de vídeos com imagens de época, a que se soma um espaço cênico muito bem resolvido. A atriz excepcional, que se tornou mundialmente conhecida pela personificação de A escrava Isaura, na televisão, usa muito bem seu prestígio, agora, para esta luta. É um espetáculo, pois, tanto estética, quanto politicamente, bem resolvido, oportuno e, por isso mesmo, obrigatório.