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Teatro

- Publicada em 10 de Novembro de 2022 às 18:14

Julio Zanotta, um outro Qorpo Santo?

Antonio Hohlfeldt
No último dia 23 de setembro, com direito a uma leitura dramática performativa no palco do Teatro Renascença, o dramaturgo Julio Zanotta festejou 50 anos de carreira, lançando uma caixa com 10 volumes que contém parte de sua dramaturgia (Editora Giostri, São Paulo).
No último dia 23 de setembro, com direito a uma leitura dramática performativa no palco do Teatro Renascença, o dramaturgo Julio Zanotta festejou 50 anos de carreira, lançando uma caixa com 10 volumes que contém parte de sua dramaturgia (Editora Giostri, São Paulo).
Nascido em Pelotas, em 1950, Julio e eu integramos a mesma geração. Talvez até por isso acompanhei sua carreira desde a estreia, em 1972, quando lançou seus primeiros textos. Voltando de um período de exílio, motivado por sua militância político-estudantil, em 1976, com Paulo Flores, Julio criaria o grupo Ói Nóis aqui Traveis, que sobrevive ainda hoje, graças à perseverança admirável de Paulo Flores e Tania Farias. Julio Zanotta escreveria e dirigiria os primeiros espetáculos do grupo, apresentados num acanhado espaço alugado na rua Ramiro Barcelos, entre a Cristóvão Colombo e a avenida Farrapos, point da juventude rebelde e foco de atenção e temores dos esbirros ditatoriais da censura de então. Nenhuma surpresa, pois, que, logo após a estreia de dois pequenos textos de Julio Zanotta, A divina proporção e A felicidade não esperneia Patati Patatá, que alcançou repercussão, as autoridades descobrissem meio de fechar a casa (1978).
Ajudado pelo então advogado Isaac Ainhorn, mais tarde vereador da cidade, o grupo conseguiu atender às exigências burocráticas e o teatro foi aberto. Assisti e escrevi sobre este trabalho, nas páginas do Correio do Povo, onde então trabalhava. E assim foi também com A libertação do Diretor presidente (1979), e As cinzas do general (1980), textos de Zanotta, por ele mesmo dirigidos, e de que providenciava umas edições bem artesanais, de que tenho cópias de todas. Foi ali que o grupo também montou O café, roteiro de ópera de Mario de Andrade, jamais musicado e jamais encenado na forma original projetada.
Muitos outros textos se seguiram, como Nietzsche no Paraguai (1986), Beaudelaire (2003), Milkshakespeare (Prêmio Açorianos de 2010, quando foi encenado), Uma fada no freezer (2011), O apocalipse segundo Santo Ernesto de la Higuera (2012), Um dia Sodoma, outro Gomorra (2019) e assim por diante. Parte deles, e outros mais, compõem os 10 volumes do Teatro de Julio Zanotta que a editora Giostri acaba de publicar em edição primorosa e histórica.
É importante registrar que, embora aparentemente esquisito - sua atual imagem lembra o monge russo Rasputin - Julio Zanotta Vieira sempre foi um sujeito muito equilibrado, tanto que chegou a ser o presidente da Câmara Riograndense do Livro (entre 1994 e 1997), inovando radicalmente as experiências das tradicionais feiras do livro da cidade.
Na noite de lançamento de sua obra, quando igualmente se fez uma leitura dramática de um de seus textos, Hino à bandeira com galinha ao molho pardo, assistimos a uma hilária provocação às manias nacionalistas e ufanistas de nosso País, especialmente no atual contexto. Este texto, aliás, é um dos que encontramos no volume Para atores licenciosos e diretores libertinos - I, que faz parte da coleção. No saguão do Centro Municipal de Cultura, foi organizada uma retrospectiva a partir de recortes de jornais, ocasião em que fiz verdadeira viagem ao passado: praticamente escrevi a respeito de todos os espetáculos e textos de Julio Zanotta Vieira. Rememorando todo este conjunto, pois, posso fazer algumas breves observações:
1. O jornalista, o dramaturgo e o intelectual militante formam uma persona única, que é Julio Zanotta;
2. Sua escritura tem contribuições do jornalismo - é clara, leve, divertida - e da história: a maior parte de seus textos são paráfrases e paródias, no sentido de Mikhail Bakhtine, de outros textos dramáticos, como o premiado Milkshakespeare, ou de personagens da história, como ocorre em O Apocalipse segundo Santo Ernesto de La Higuera;
3. Julio Zanotta sempre assume uma perspectiva crítica, irônica e debochada, propondo, pois, revisões da História e da Cultura;
4. Por fim, a dramaturgia de Julio Zanotta aproxima passado e presente, propondo distanciamentos e reflexões profundas, denunciando falsificações e propondo novos caminhos.
Fiquei pensando: Julio Zanotta, um outro Qorpo Santo?
 
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