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Teatro

- Publicada em 27 de Outubro de 2022 às 17:48

Claudia Abreu dramaturga

Antonio Hohlfeldt
Escritores e outros artistas têm, ao longo dos anos, servido de inspiração para roteiros cinematográficos e de dramaturgia. É o caso de Virginia, que a atriz Cláudia Abreu escreveu, baseando-se na biografia da escritora inglesa Virginia Woolf, figura controvertida, criadora excepcional e que, por isso mesmo, torna-se natural objeto de curiosidade e interesse.
Escritores e outros artistas têm, ao longo dos anos, servido de inspiração para roteiros cinematográficos e de dramaturgia. É o caso de Virginia, que a atriz Cláudia Abreu escreveu, baseando-se na biografia da escritora inglesa Virginia Woolf, figura controvertida, criadora excepcional e que, por isso mesmo, torna-se natural objeto de curiosidade e interesse.
Cláudia Abreu tem uma trajetória de atriz admirável. O fato de ela não se contentar com isso e decidir retornar à academia para desenvolver novos estudos e pesquisas é respeitável e raro, sobretudo em lugares onde, como no Brasil, as pessoas se contentam com o investimento mínimo para um máximo resultado. Virginia advém deste exercício de pesquisa que leva a atriz a aventurar-se na dramaturgia. Mas dar certo num campo não significa, necessariamente, dar certo em outro. E a escritura de Virginia, enquanto concepção dramatúrgica, fica a desejar, ainda que o espetáculo resultante seja interessante e envolvente, provocando muita emoção, mas não necessariamente atendendo às necessidades de uma efetiva obra dramática. O que tem de mérito, considerando o fato de eu não conhecer o texto em si, a não ser o que posso pressupor a partir da encenação a que assisti, advém da direção cênica, a cargo de Amir Haddad, reconhecido diretor, bem assessorado por Malu Valle. Mas examinemos algumas questões sobre esta dramaturgia.
O primeiro desafio é, evidentemente, sintetizar uma vida num espetáculo de apenas uma hora de duração. Há que fazer opções, cortes, exclusões. Para que isso funcione, precisa ser escolhido um foco ou ponto de vista que garanta a unidade do texto, que vai se refletir na do espetáculo. Quando a encenação começa, temos a personagem narradora, de pés descalços e vestido branco, que vai levar durante todo o tempo, andando meio perdida no espaço do palco, em penumbra. Ruídos de um objeto/corpo que tomba na água, uma iluminação azulada relampejando no palco e o movimento corporal da intérprete como se chocando com a água e afundando. Eis o momento perfeito do espetáculo que, no entanto, não é retomado ao final, o que formaria o círculo perfeito, já que todo o texto está estruturado em dois movimentos paralelos complementares, a narrativa cronológica e as inserções memorialísticas, presentificadas e concretizadas no espetáculo através de uma iluminação branca mais clara, uma mudança na inflexão vocal e a apropriação, pela atriz, da personalidade das figuras evocadas: a irmã da escritora, o marido, o irmão etc. Terceiro registro narrativo é o uso de gravações com passagens dos romances de Virginia Woolf, que funcionam como exemplificações do que está a narradora/personagem dizendo em cena. Esta tríplice combinação salva o espetáculo, mas não evita o equívoco de concepção dramatúrgica: o teatro deve mostrar (daí o termo grego drama, que é ação) e não narrar. Ora, quando a dramaturga Cláudia Abreu decide narrar, e não mostrar, sai em desvantagem e o encenador tem de correr atrás do prejuízo. Neste caso, as soluções encontradas e a performance excepcional de Cláudia Abreu compensam os desafios: o espetáculo é equilibrado, emocionante e envolvente, apesar da dramaturgia.
A dramaturgia de Cláudia Abreu enfrentou outro problema, que não conseguiu resolver, ao optar pela narrativa cronológica. Um texto que pressupõe um espetáculo de uma hora não consegue contar tudo o que seria necessário dizer, até pela complexidade da personagem Virginia Woolf. Haveria que ter, portanto, um foco narrativo que guiaria a seleção de temas. Por exemplo, a violência sexual sofrida pela adolescente, por parte dos irmãos; ou as sucessivas mortes que assolam a família, passando pela mãe, pelo pai e pelo irmão, sucessivamente; sua militância feminista e sufragista, etc. Enfim, havia muitos focos à disposição. Nenhum deles foi destacado, porque todos eles foram mencionados cumulativamente, sem uma organização interna capaz de hierarquizar e dar uma voz de comando ao texto. O resultado final é: saímos sabendo quem foi Virgínia Woolf? Quem não a conhecia, continua sem conhecer. Quem sabia alguma coisa ela, talvez articule melhor os dados trazidos pelo espetáculo. Mas confesso que saí frustrado. Esperava mais da dramaturgia.
Cláudia Abreu é uma atriz consagrada. Tem, portanto, todo o direito de arriscar-se em outro campo. Louvável que assim o faça. Escolheu um tema complicado, resultante de uma paixão. Deve aprender com a experiência e voltar mais preparada na próxima vez. De qualquer maneira, devemos agradecer-lhe pela coragem e dedicação.
 
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