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Teatro

- Publicada em 06 de Outubro de 2022 às 21:03

Enorme esforço resulta em um caleidoscópio

Antonio Hohlfeldt
O caleidoscópio é um aparelho ótico formado por três espelhos em forma de prisma, que produz infinitas variações visuais a partir da combinação dos reflexos da luz. Apesar de ser um único aparelho, seu resultado se diversifica infinitamente e dele não se pode esperar exatamente uma unidade coerente. Pelo contrário, sua característica é a diversidade aleatória.
O caleidoscópio é um aparelho ótico formado por três espelhos em forma de prisma, que produz infinitas variações visuais a partir da combinação dos reflexos da luz. Apesar de ser um único aparelho, seu resultado se diversifica infinitamente e dele não se pode esperar exatamente uma unidade coerente. Pelo contrário, sua característica é a diversidade aleatória.
Ocorreu-me esta imagem ao assistir a ...E a tia na lareira, texto original de Henrique Cambraia, com direção de Jardel Rocha, espetáculo com alegados 150 minutos de duração e uma produção invejável, que começou já na distribuição do material promocional, criando enorme expectativa quanto ao que poderíamos encontrar em cena. A produção evidenciava um capital razoável - coisa rara entre nós, sobretudo no atual contexto - e uma iniciativa caprichosa para um espetáculo aparentemente sem nomes que atraíssem a atenção.
Comecemos pelo enredo e a dramaturgia. Sem sombra de dúvida, Henrique Cambraia conhece o que seja dramaturgia e como desenvolver um texto. Mas conhecer não significa conseguir fazer. Há boas ideias, que naufragam em sua concretização. Neste caso, há um erro de timing: o texto de mais de duas horas, se reduzido à metade, teria alcançado maior rendimento. Mais grave, por alongar-se, o texto acaba falando de tudo e de nada, misturando gêneros e perdendo qualquer clarividência sobre um determinado foco dramático. Seria uma paródia? Neste sentido, poder-se-ia tornar algo interessante, à maneira do que Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes produziram há muitos anos, A maldição do Vale Negro e que está publicada em livro. Ou talvez seja apenas uma tentativa de paráfrase e, nesse sentido, o primeiro ato é bem melhor realizado do que o segundo, verdadeira colcha de retalhos.
A direção de Jardel Rocha, e sobretudo tendo contado com a preparação de elenco de Zé Adão Barbosa, resultou num conjunto homogêneo em seu desempenho. Num texto que exige um ritmo preciso e sincopado como na antiga comédia francesa de costumes do final do século XIX e inícios do século XX, à la Sardou e Labiche, ninguém do elenco titubeia em sua fala nem esquece o texto. É evidente que cada intérprete deste numeroso e tipologicamente variado elenco sabe exatamente o espaço que ocupa no palco e o que dele se espera.
O cenário, reproduzindo a estética dos anos 1950, assinado por Rodrigo Shalako, é preciso para aquilo que foi idealizado: apesar de realista e relativamente simples, permite entradas e saídas típicas do enredo explorado. Os figurinos de Valquiria Cardoso são meticulosamente bem acabados, e não devem ter sido baratos. A iluminação de Éverton Wilbert Vieira atende às necessidades da encenação., A trilha sonora original de Pedro de los Santos, enfim, acompanha o desenrolar da trama, destacando os climas emocionais de cada cena.
Em cena, tudo anda perfeitamente bem, mas nada resulta em alguma coisa unitariamente concebida, ao final de contas. Nem o elenco, coletivamente afinado. Aliás, a chamada à cena, no final do espetáculo, de todo o grupo envolvido com a produção, evidencia, em última instância, tratar-se de uma montagem que se constituiu em alegre brincadeira de gente que, tendo disponibilidade e dinheiro, resolveu, um dia, fazer um espetáculo de teatro para divertir-se. Esqueceu-se do público. O grupo convocou amigos e conhecidos, amealhou o capital necessário, cuidou de todos os detalhes e colocou o pé na estrada, com a vantagem de, em mobilizando um universo tão variado de pessoas, garantir um público simpático e entusiasmado.
O resultado final, então, qual é? Do meu ponto de vista, frustrante. Vislumbram-se ideias excelentes, mal aproveitadas; mobilizam-se potencialidades evidentes, mal aproveitadas; vontade e entusiasmo são dirigidos equivocadamente. Um espetáculo que poderia ser curioso e agradável acaba se perdendo em suas próprias vaidades. Aliás, se o grupo tiver humildade e autocrítica, não se deixando engodar pelo aplauso simpático, poderá chegar a algum resultado mais produtivo. A gente precisa respeitar o élan e a dedicação de toda a equipe. Mas isso não basta. A gratuidade do resultado produz o caleidoscópio a que aludi no início desta coluna: variado, talvez até sedutor, mas sem maior consequência.
 
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