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Teatro

- Publicada em 08 de Setembro de 2022 às 18:00

Somos parte deste problema

Antonio Hohlfeldt
Em 2016, um terrorista homofóbico atacou um bar gay na cidade norte-americana de Orlando, nos Estados Unidos, executando 49 pessoas. A partir desta situação, o dramaturgo espanhol Guillem Clua escreveu a peça A Golondrina, que recentemente cumpriu emocionante temporada no Theatro São Pedro.
Em 2016, um terrorista homofóbico atacou um bar gay na cidade norte-americana de Orlando, nos Estados Unidos, executando 49 pessoas. A partir desta situação, o dramaturgo espanhol Guillem Clua escreveu a peça A Golondrina, que recentemente cumpriu emocionante temporada no Theatro São Pedro.
O substantivo espanhol "golondrina" foi mantido no título da peça traduzida pela atriz Tânia Bondezan, ao invés de sua tradução: "andorinha". Na verdade, a palavra "golondrina" também existe na língua portuguesa, e, neste sentido, acho que a manutenção do vocábulo aumentou a fidelidade ao texto, tirado de uma canção que fala a respeito do voo das andorinhas que, não obstante sua aparente falta de sentido, sempre retornam a seus ninhos - metáfora de toda a trama.
Em cena, o jovem Ramón vai em busca de uma professora de canto. Ele entona muito mal, mas quando revela que conhecera o filho da professora de canto, Amélia, a mulher, resolve aceitá-lo como aluno. Ele, então, decide cantar uma canção numa homenagem fúnebre, a pedido do pai, conforme conta. A história, contudo, logo se revela falsa: o novo aluno era namorado do filho de Amélia, morto naquele ataque, justamente porque se colocara à frente dos tiros, salvando Ramón. A mulher tem dificuldade em admitir que o filho era homossexual. Mais que isso: acaba revelando o último diálogo travado com o filho, antes que ele saísse para aquele bar onde viria a ser assassinado.
O acontecimento real já é terrífico. O enredo, desenvolvido por Guillem Clua, num espetáculo dirigido por Gabriel Fontes Paiva, se torna um pesadelo. Acho que não fui o único a me emocionar profundamente até as lágrimas, não só pela história em si, mas pelo sentimento de arrependimento daquela mãe que, em sendo intolerante, não dissera a palavra que viria a ser a última para o filho, e disso se arrependeria para o resto da vida.
Não é um dramalhão, pelo contrário. Paiva cuida muito a contenção dos intérpretes, e certamente não deve ter precisado de muito esforço para ter a compreensão e a adesão de Tânia Bondezan (não por acaso escolhida a Melhor Atriz do Prêmio Shell de 2019, justamente por este trabalho) e Luciano Andrey, que com ela contracena: ele não faz escadinha para a atriz, mas, sim, constitui seu próprio espaço, desde o momento em que entra em cena entoando a canção que dá título à obra e que se repete ainda duas vezes ao longo da encenação. Em ambos, o que mais comove, é a naturalidade. Não assistimos a interpretações, mas a incorporações.
O texto de Guillem Clua é muito bem equilibrado, ainda que às vezes escorregue para o discursivo, na medida em que se coloca muito explicativo. Não precisa. Sugerindo, ele convence mais. Mas em tempos de intransigência, talvez seja eu que esteja demasiadamente exigente, e seja, de fato, necessário, gritar contra o preconceito.
Premiada em diferentes praças europeias, interpretada por Carmen Maura, na Espanha, a figura da mãe é traumática, porque seu sentimento de culpa é avassalador. Mas não é intenção do dramaturgo culpá-la e, sim, entendê-la. Por isso a peça é uma obra de arte. Quanto ao jovem, ele traduz a angústia de saber que justamente aquelas pessoas que poderiam ter salvo alguns dos assassinados, por omissão, acabaram por não fazê-lo. Este texto deveria correr nossas escolas, para ensinar o que é responsabilidade social de cada um de nós. Pena que até mesmo o público diretamente envolvido no problema não tenha se sentido tão sensibilizado a ponto de ir ao teatro, mesmo que devamos reconhecer que o problema só terá solução quando também, e sobretudo, aqueles que imaginam nada ter com o problema se sensibilizarem com ele.
A Golondrina é destes textos de que a gente não deveria ter necessidade. É destes espetáculos a que a gente deveria se referir como coisas do passado. Infelizmente, trata-se de um texto absolutamente oportuno e de uma referência tristemente presente. Todos os que fomos ao teatro nestas três sessões do espetáculo em Porto Alegre, devemos agradecer aos envolvidos na produção: felizmente, ainda temos gente que se preocupa em nos fazer melhores e evitar nossos erros que são evitáveis. Desde que a gente se sensibilize com o outro, colocando-se em seu lugar. Somos parte dele.
 
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