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Coluna

- Publicada em 17 de Fevereiro de 2012 às 00:00

Reencontro com a boneca Teresa


Jornal do Comércio
Tive a oportunidade de assistir à estreia de Boneca Teresa ou Canção de amor e morte de Gelci e Valdinete, em 1975, no Teatro de Arena. Trinta e sete anos depois, esta mesma peça recebe nova montagem, iniciativa das atrizes e diretoras Jordana de Moraes (Valdinete) e Larissa Gonzalez (Gelci). Num ambiente bastante sintético, criado por Nani Farias, figurinos das próprias atrizes, iluminação de Dionatan Rosa (um bom achado a troca de luzes quando as mulheres estão na delegacia) e som de Cícero Melo, o espetáculo é um dos bons momentos da mostra de verão deste ano.
Tive a oportunidade de assistir à estreia de Boneca Teresa ou Canção de amor e morte de Gelci e Valdinete, em 1975, no Teatro de Arena. Trinta e sete anos depois, esta mesma peça recebe nova montagem, iniciativa das atrizes e diretoras Jordana de Moraes (Valdinete) e Larissa Gonzalez (Gelci). Num ambiente bastante sintético, criado por Nani Farias, figurinos das próprias atrizes, iluminação de Dionatan Rosa (um bom achado a troca de luzes quando as mulheres estão na delegacia) e som de Cícero Melo, o espetáculo é um dos bons momentos da mostra de verão deste ano.
Boneca Teresa é um dos grandes textos dramáticos de Carlos Carvalho. Através de uma situação concentrada em um contexto já clássico no teatro - personagens colocados por decisão de outrem em espaço fechado, uns frente aos outros - retoma, evidentemente, o conhecido trabalho de Jean-Paul Sartre Entre quatro paredes mas, ao contrário do dramaturgo e filósofo francês do existencialismo, a peça, embora crítica, não é cética e defende, sim, a possibilidade do humano mesmo entre criaturas reificadas e na mais absoluta solidão.
O tema da solidão foi uma constante na dramaturgia de Carlos Carvalho. Isso ocorre com Pt saudações ou em O pulo do gato, seu último trabalho (Carlos Carvalho faleceu enquanto preparava a estreia deste texto). O ser humano encontra-se sozinho diante dos demais. É neste sentido que a formação humanista de Carlos Carvalho encontra a justificativa de sua escrita: por mais abandonadas que estejam, as personagens ainda alcançam um sentido de humanidade que as redime. No caso desta peça - duas mulheres trancadas em um apartamento desconhecido, atraídas por um homem desconhecido -, não obstante seus problemas particulares, conseguem o diálogo e a mais íntima comunicação possível: mesmo desprezada pelos preconceitos de Gelci sobre sua pessoa, Valdinete, a prostituta, não consegue abandonar a eventual companheira que sofre das consequências de um aborto criminoso e acaba retornando para auxiliar a outra. O diálogo seco, contrastado entre a aparente insensibilidade de Valdinete e a ingenuidade de Gelci, permite ao espectador desenvolver toda uma reflexão sobre a condição humana que se traduz, sobretudo, na identificação de um ser com o outro, o que o leva a distanciar-se da condição alienada a que estaria condenado. É isso que salva Valdinete, filosoficamente falando, assim como salva Gelci, biologicamente referida.
O que é mais emocionante é que, quase 40 anos depois de sua estreia, o texto continua vivo e emocionante. Jordana de Moraes incorpora a figura de Valdinete, enquanto Larissa Gonzalez, com alguns problemas de postura corporal (pernas encolhidas ao longo de quase toda a encenação) não deixa de dar humanidade à figura de Gelci, pois tão maior é sua figura física, tão menor é sua força para enfrentar a adversidade, o que bem traduz em trejeitos e excelentes entonações. A pequena plateia da Sala Álvaro Moreira não respirou durante todo o espetáculo e ao final quase nem queria sair, como se precisasse emprestar sua solidariedade às duas personagens. Isso é raro no teatro e evidencia o quanto a encenação tocou o público.
É bom que, mesmo em meio à canícula que nos assola, felizmente diminuída com o ar-condicionado da sala, o Porto Verão Alegre não se restrinja a comédias. Nada contra, é claro, mas é sempre bom a gente se emocionar com um texto dramático, quase trágico como este. Mostra que o teatro ainda está vivo. 
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