Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Coluna

- Publicada em 24 de Setembro de 2010 às 00:00

Triste atualidade de Policarpo Quaresma


Jornal do Comércio
Passadas as mais fortes agruras da recém-implantada República no Brasil, o escritor Afonso Henriques de Lima Barreto, que já ousara escrever sobre a imprensa industrial brasileira, também então nascente (em Recordações do escrivão Isaías Caminha), e pagaria pelo resto de sua vida tal ousadia, partia para outro projeto audacioso e mortal: denunciar a falsidade da renovação política que a república produzira. Para tanto, escreveu Triste fim de Policarpo Quaresma, no ano de 1915. Isso o afastaria de vez do centro das decisões políticas. O escritor não esmoreceu, procurou viver sempre da pena - embora mal - e ao morrer, abrigado em um manicômio público  ironicamente, hoje uma das salas do Curso de Comunicação da UFRJ - miserável e abandonado, não deixara de organizar sua própria obra, que sobreviveria.

Passadas as mais fortes agruras da recém-implantada República no Brasil, o escritor Afonso Henriques de Lima Barreto, que já ousara escrever sobre a imprensa industrial brasileira, também então nascente (em Recordações do escrivão Isaías Caminha), e pagaria pelo resto de sua vida tal ousadia, partia para outro projeto audacioso e mortal: denunciar a falsidade da renovação política que a república produzira. Para tanto, escreveu Triste fim de Policarpo Quaresma, no ano de 1915. Isso o afastaria de vez do centro das decisões políticas. O escritor não esmoreceu, procurou viver sempre da pena - embora mal - e ao morrer, abrigado em um manicômio público  ironicamente, hoje uma das salas do Curso de Comunicação da UFRJ - miserável e abandonado, não deixara de organizar sua própria obra, que sobreviveria.

Recentemente, Policarpo Quaresma foi transposto para o cinema. Agora, encontramo-lo adaptado ao teatro, graças à iniciativa do diretor Antunes Filho (sim, aquele mesmo de Macunaíma, de algumas décadas atrás). Foi este espetáculo a que assisti em São Paulo, recentemente, dirigido por Antunes Filho, que está sempre experimentando, ousando quebrar a tradição. Já fez um Chapeuzinho Vermelho com um texto absolutamente inarticulado, e agora constrói uma encenação extremamente paródica do romance, com cerca de duas horas de duração. Felizmente para Antunes Filho, e para nós, seus admiradores, ele encontrou no Sesc um espaço ideal de apoio para seus projetos, de sorte que tem podido dar-se ao luxo de continuar a experimentar, mostrando a todos os resultados de suas ideias.

Se a escrita de Lima Barreto em Policarpo Quaresma é desequilibrada, ora pendendo para o realismo, ora para a sátira, o mesmo ocorre com a encenação de Antunes Filho. Ela começa devagar, mas parece apontar para um certo rumo. Pela metade, se perde - embora seja aí que ocorra uma cena antológica e inesquecível, a que nos referiremos de imediato - e se reencontra no final. Talvez o excesso seja seu pecado maior, mas para reconstituir aquela república, não seria mesmo necessário este excesso? Seja como for, Antunes Filho nunca teve medo de romper convenções e regras, e não o faz por menos.

Com um elenco de pouco mais de uma vintena de intérpretes, não apenas centra a atenção em uns poucos personagens, interpretadas fixamente por determinados atores (por exemplo, Quaresma é Lee Thalor e Floriano Peixoto é Marcos de Andrade) quanto se permite colocar todos os demais integrantes do elenco a se multiplicarem em figuras variadas e díspares. Na verdade, Antunes Filho está menos preocupado pelas individualidades do que por uma certa representação social da época. Não por acaso, dá especial atenção ao espaço do manicômio a que também o personagem Quaresma é recolhido (premonição de Lima Barreto?), ao mesmo tempo em que faz todo o tipo de referência, direta ou indireta, dependendo do maior conhecimento cultural que o espectador possua, a situações e personagens de então: seu Floriano Peixoto, por exemplo, é baixote, quepe enfiado sobre a cabeça que faz desaparecer o rosto, jamais visto; usa um bigodinho e lembra demais a Adolf Hitler...

Certamente Antunes Filho deve ter pesquisado sobre as "revistas" da época, moda teatral então em pleno vigor e que, a cada final de ano, satirizava os acontecimentos da temporada, para gáudio de uma plateia mais popular e menos exigente, mas para desespero, dentre outros, do vetusto Machado de Assis. Desse tipo de espetáculo sai, sem dúvida, a exploração do clima farsesco de todo o espetáculo, a presença das melindrosas e a representação dos diferentes espaços cênicos apenas indicados por alguns adereços.

O espetáculo, assim, interessante mas desigual, não deixa de ter seus bons momentos. O melhor deles, contudo, é aquele em que Quaresma acompanha a interpretação do Hino Nacional com um sapateado no meio da cena. O público delira e aplaude. É aquela sacada que só um bom diretor é capaz de ter, criando uma cena inesquecível. No mais, é um espetáculo interessante, bem produzido e bem realizado, mas que não chega a repetir outros excelentes momentos do grande diretor. Deve ser visto, contudo, de qualquer modo. 

Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO