A crise desencadeada pela decisão de Donald Trump de aplicar tarifa de 50% sobre produtos brasileiros revela muito mais um embate ideológico do que uma disputa comercial genuína. A retórica eleitoral do presidente norte-americano, recheada de ataques ao Supremo Tribunal Federal, e de elogios velados a Jair Bolsonaro (PL), escancara a politização das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos. E nessa guerra retórica, quem corre o risco de pagar a conta são os produtores brasileiros — e o próprio consumidor.
Impacto direto na economia real
A medida afeta especialmente setores estratégicos como o aço, o alumínio e parte da indústria manufatureira. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, e a taxação amplia as incertezas num cenário já delicado. O professor Carlos Primo Braga (foto), da Fundação Dom Cabral, e ex-diretor do Banco Mundial, alerta: "50% de tarifa sobre o setor siderúrgico é algo muito significativo, e retaliar pode ter efeito bumerangue sobre a própria economia brasileira, especialmente o consumidor".
China e Mercosul
Segundo Braga, a melhor resposta seria estratégica, como ampliar exportações para a China e concluir o acordo Mercosul-União Europeia. Ele defende cautela: "Temos a Lei da Reciprocidade, mas retaliação imediata não é a solução. É preciso negociar e diversificar mercados".
Congresso em confronto
O anúncio do tarifaço repercutiu fortemente no Congresso. Parlamentares da extrema direita saíram em defesa de Trump e atacaram o STF e o governo Lula. O deputado federal gaúcho Bibo Nunes (PL) afirmou que "a taxação é um alerta para os brasileiros sobre a ditadura que vivemos, principalmente vinda do Supremo". Em tom ainda mais inflamado disse que "pode ser prejudicado pessoalmente, mas se for para salvar o Brasil, que se taxe".
Críticas à democracia
Já o deputado federal gaúcho Marcel van Hattem (Novo) subiu o tom contra a diplomacia brasileira: "O Itamaraty hoje vale menos do que um deputado federal licenciado. Eduardo Bolsonaro (PL) tem mais força nos EUA do que Mauro Vieira, Celso Amorim ou a embaixadora Maria Luiza Viotti".
A carta e o pano de fundo político
A carta pública de Trump a Lula mistura economia com política doméstica brasileira. O professor Braga lembra que o Brasil, na verdade, compra mais dos EUA do que exporta — com um superávit de US$ 49 bilhões favorável aos norte-americanos nos últimos anos.