Foi anulada a lei municipal que alterou as regras para construir na Fazenda do Arado, terreno situado no extremo Sul da Capital. A decisão é da juíza Patricia Antunes Laydner, da 20ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre. Na prática, a lei versa sobre a quantidade de lotes e o perfil das edificações que poderiam ser construídas naquela área, a partir de modificação no Plano Diretor. A sentença é desta quarta-feira, 5 de junho, e também suspendeu a aplicação da normativa, ou seja, impede a prefeitura de licenciar projetos construtivos para o local. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça.
A Ação Civil Pública foi movida pelo Ministério Público (MP) Estadual em 2021, quando ainda se debatia o projeto de lei na Câmara Municipal, requerendo a anulação dos efeitos do projeto ou da lei, caso ocorresse a votação. Mesmo com a aprovação e posterior sanção, pelo prefeito Sebastião Melo (MDB), da Lei Complementar Nº 935/2022, o caso seguiu tramitando na Justiça.
Embora as partes rés – Arado Empreendimentos Imobiliários, proprietária do terreno; Prefeitura de Porto Alegre, autora da lei; e Câmara Municipal, que votou o projeto – tenham pleiteado a perda do objeto da ação com a aprovação da lei, a juíza apontou jurisprudências no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) para seguir com o caso. O argumento de falta de competência do MP também foi refutado.
Compõe o rol de argumentação da magistrada a temática ambiental, o que chama atenção para a data da sentença ser 5 de junho, quando é celebrado o Dia Mundial do Meio Ambiente. No mérito, ela registra que a prova apresentada pelo MP aponta a “probabilidade e magnitude dos riscos ambientais e urbanísticos que passam a existir com a alteração legislativa”.
Com base na argumentação do MP e nas respostas dadas pelas outras partes, concluiu a juíza que “a justificativa do projeto é demasiadamente frágil, desamparada de qualquer estudo ou fundamento capaz de rechaçar os riscos, problemas e impactos ambientais e urbanísticos”, lembrando que “o conceito de meio ambiente abrange elementos naturais, artificiais e culturais cuja interação propicia o desenvolvimento das mais variadas formas de vida”.
A Área de Proteção ao Ambiente Natural, que compõe parte do terreno da Fazenda do Arado, bem como a identificação de sítio arqueológico e possível reconhecimento de território indígena na área, no entendimento da magistrada, não foram levadas em consideração na análise da proposta de lei.
Junto ao tema ambiental, a questão urbana tem destaque na sentença, a qual aponta que “a alteração legislativa proposta pelo município não é mera aplicação da hipótese prevista” em artigo do Plano Diretor, o qual “permite ajustes pontuais”. Embora a Prefeitura tenha alegado “não se tratar de expansão urbana”, a juíza entende que a alteração legal acabaria gerando “uma inadvertida expansão urbana”.
Outros argumentos apresentados pelas partes, para justificar, por exemplo, a ausência de determinados estudos técnicos, não convenceram a magistrada da legalidade do processo. O empreendedor sustentou que as obras não teriam início imediato a partir da aprovação da lei, e tais estudos viriam com licenciamentos específicos, argumento similar ao apresentado pelo poder público. No entanto, a magistrada compreendeu que “isso não afasta a necessidade de estudos técnicos prévios”, afinal, “se está diante de modificação legislativa com o escopo de regrar o direito de construir e viabilizar, juridicamente, a futura aprovação do Projeto Urbanístico do Arado”.
Câmara e Prefeitura estão isentas do pagamento das custas processuais, que recaem sobre a Arado Empreendimentos Imobiliários. Procurado pela Coluna na noite desta quarta-feira, o proprietário do terreno informou que irá se manifestar após avaliar a sentença. A prefeitura ainda não tinha posicionamento no momento do contato. O espaço da Coluna segue aberto para a manifestação das partes.
Autora do projeto, a Prefeitura de Porto Alegre apresentou projeto de lei em 2021 com mudanças nas regras para construir na área, na Zona Sul da Capital, em atendimento a pedido da Arado Empreendimentos Imobiliários, que pretende construir um condomínio no local. A votação na Câmara Municipal foi em dezembro daquele ano e a sanção em janeiro de 2022 como Lei Complementar Nº 935/2022. O Estudo de Viabilidade Urbanística foi aprovado em 2023.
Pela proposta de loteamento, apenas parte do terreno de 428 hectares teria edificações e a área de proteção, mais próxima ao Guaíba, será mantida. a maior densidade estaria concentrada perto das avenidas que ligam a Fazenda com o restante do bairro Belém Novo, onde ficariam unidades comerciais e de serviço.
A Lei Nº 935/2022 também tratou das contrapartidas, como a doação antecipada de parte do terreno para o Dmae construir parte da estação de tratamento de água (ETA) Ponta do Arado, que já está em andamento. A ETA integra o Sistema de Abastecimento de Água Ponta do Arado, que atenderá, quando pronto, mais de 240 mil pessoas de 20 bairros do Extremo Sul e da Zona Leste, incluindo Restinga e Lomba do Pinheiro.
O caso, no entanto, é tratado pelo Executivo há mais tempo. O primeiro pedido do empreendedor é de 2011, quando estudos de impacto ambiental e de viabilidade urbanística apresentados pela empresa passaram a tramitar na prefeitura. À época, as alterações urbanísticas foram aprovadas pela Câmara e disso resultou a Lei Complementar Nº 780/2015. Em 2017, o Ministério Público conseguiu suspender liminarmente os efeitos da lei, decisão confirmada depois. A prefeitura abriu mão de recorrer e, na lei de 2022, revogou a de 2015.
A sentença do dia 5 de junho de 2024 anulou a Lei Nº 935/2022, e cabe recurso.