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Ideias sustentáveis

- Publicada em 21 de Julho de 2022 às 21:33

'Mudança climática deve ser tratada nas cidades', diz especialista de Yale

Lisa Fernandez pesquisa percepção climática dos norte-americanos

Lisa Fernandez pesquisa percepção climática dos norte-americanos


ACERVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Os chamados fenômenos climáticos extremos são realidade em todo o mundo, com impactos distintos em cada região. Tratar desse assunto é uma questão absolutamente local, defende Lisa Fernandez, diretora associada do Centro de Comunicação em Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, referência em pesquisa sobre a percepção deste assunto.Fernandez sustenta, com base em dados levantados por seu grupo de estudos, que a população entende melhor o tema quando consegue estabelecer uma conexão entre o discurso e os impactos próximos da sua comunidade.Nesta entrevista, a pesquisadora afirma que cabe aos governos locais, especialmente os municípios, informar as pessoas e implementar políticas públicas para reduzir a emissão de poluentes que causam o aquecimento global.
Os chamados fenômenos climáticos extremos são realidade em todo o mundo, com impactos distintos em cada região. Tratar desse assunto é uma questão absolutamente local, defende Lisa Fernandez, diretora associada do Centro de Comunicação em Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, referência em pesquisa sobre a percepção deste assunto.
Fernandez sustenta, com base em dados levantados por seu grupo de estudos, que a população entende melhor o tema quando consegue estabelecer uma conexão entre o discurso e os impactos próximos da sua comunidade.
Nesta entrevista, a pesquisadora afirma que cabe aos governos locais, especialmente os municípios, informar as pessoas e implementar políticas públicas para reduzir a emissão de poluentes que causam o aquecimento global.
Jornal do Comércio - Podemos dizer que as mudanças climáticas são um problema local? Por quê?
Lisa Fernandez - Sim, as mudanças climáticas são absolutamente uma questão local. Há algumas pesquisas recentes do Pew Research Center (fundação nos EUA que desenvolve pesquisas de opinião sobre esse tema) indicando que a maioria dos norte-americanos dizem, atualmente, que a mudança climática é uma preocupação a nível local. Os dados que coletamos a nível nacional também confirmam isso. Conduzimos uma pesquisa nacional, nos Estados Unidos, e perguntamos: “o aquecimento global está prejudicando você agora ou estará nos próximos 10 anos?”. Desde 2018, a percepção de danos devido ao aquecimento global saltou 13 pontos (passou de 51 em 2018 para 64 em 2022), com as pessoas respondendo afirmativamente e dizendo que acreditam que o aquecimento global as prejudica. E se olharmos para uma escala menor, o grande salto na resposta a esta pergunta acontece no interior, acredito que devido à natureza dos eventos climáticos extremos que estão acontecendo.
 
JC - Quais, principalmente?
Fernandez - Incêndios florestais, secas, calor extremo, também outros tipos de clima extremo, como inundações e furacões, estão acontecendo em todo o país.
Temos dados de um estudo sobre a percepção do prejuízo causado pelo calor que mostra que no núcleo das cidades é sempre maior o índice de respostas, comparado com as áreas ao redor (os subúrbios, que nos EUA é onde vive a população com maior renda). As pessoas que vivem nas cidades sempre se sentiram mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Isso pode estar relacionado ao nível de rendimento, claramente quem tem menos recursos vai se sentir mais vulnerável aos efeitos de qualquer coisa, incluindo as mudanças climáticas. Mas há também, como os dados agora mostram, algo além.
 
JC - O que vocês identificaram?
Fernandez - Você provavelmente conhece a frase “pensar global, agir local”, que também é relevante para as mudanças climáticas. O nível de confiança de que as mudanças climáticas estão acontecendo são maiores se as pessoas conectarem os pontos entre os impactos que elas estão vendo. Você vê o que está acontecendo bem onde você vive. É onde a mudança climática é mais visível, mais concreta e percebida como mais urgente de se abordar. E é também no nível local que as soluções são mais visíveis. Você se importa com o que o prefeito da sua cidade está fazendo para enfrentar as mudanças climáticas, certo? Eu sei pelo meu exemplo, estou muito feliz que o prefeito da minha cidade recentemente escolheu estreitar uma rua onde havia duas vias para o tráfego (de carros) em cada direção, deixando uma via para o tráfego em cada sentido e criando ciclovias. Essa é uma resposta direta para enfrentar o aquecimento global e encorajar as pessoas a se sentirem seguras. E com o benefício adicional, é claro, de melhorar a saúde, porque os índices de poluição do ar serão menores e a qualidade de vida será maior.
 
JC - Podemos relacionar isso ao planejamento urbano, porque é uma decisão que as cidades tomam e, como você disse, reflete no objetivo de frear o aquecimento global…
Fernandez - Sim, exatamente. E mesmo que as pessoas não percebam que é uma solução para ajudar a combater o aquecimento global e reduzir as emissões em nível local, ainda é bastante visível, elas estão vendo as pessoas andando de bicicleta em vez de dirigir. Talvez nem pensem no aquecimento global, mas está tendo efeitos positivos na redução dos níveis de emissões de gases de efeito estufa, particularmente em áreas urbanas densas, que experimentam taxas muito altas de poluição do ar devido ao congestionamento. Há muitos outros benefícios além de apenas abordar o aquecimento global, mas, por existirem soluções visíveis no nível local, é assim que as pessoas se relacionam com o problema. Então sim, é uma questão absolutamente local a ser abordada em ambientes urbanos.
 
JC - Sua resposta me lembrou uma frase do Ban Ki-Moon (secretário-geral da Organização das Nações Unidas entre 2007 e 2017): "Nossa luta pela sustentabilidade global será vencida ou perdida nas cidades". A ideia é que, se as cidades poluem, as cidades devem apresentar a solução?
Fernandez - Com certeza. Há um exemplo recente do estado de Nevada (EUA), que está meio que virando um deserto. Há um grande lago, que é uma reserva de água potável para a cidade de Las Vegas e reduziu 30% (sua capacidade). Portanto, este é um fenômeno muito visível que está relacionado à mudança climática: está esquentando, então mais água evapora do lago e nem um pouquinho cai de volta como chuva. As pessoas vêem isso e agora os políticos locais estão fazendo campanha sobre essas questões. Mesmo aqueles que não são necessariamente os mais progressistas e liberais sabem o que seus eleitores querem e o que estão vendo. Os eleitores querem que a plataforma dos políticos aborde isso. No Brasil vocês têm Jair Bolsonaro, que é admirador do Donald Trump, e nós, antes dele, tínhamos também George W. Bush. Esses não são políticos e presidentes que vão fazer qualquer coisa acontecer, no nível federal, sobre as mudanças climáticas, certo? Eles estão negando tudo, ou apenas ignorando. Então, o que isso significa? Significa que é muito mais importante agir em nível local, onde há poder político local. Estados nos EUA, durante a presidência de George W. Bush e depois, durante o governo Trump, conseguiram reunir recursos e combater a mudança climática, porque o governo federal claramente não faria nada a respeito. Essa é outra maneira pela qual a mudança climática tem que ser uma questão local.
 
JC - Qual é o papel dos governos locais em comunicar as mudanças climáticas?
Fernandez - Para o tipo de trabalho que fazemos em comunicação, a chave é que as autoridades locais estejam constantemente explicando e divulgando que há uma conexão entre o aquecimento global e o que as pessoas estão vendo e sentindo no nível local em termos de impacto. A ideia é transmitir essa informação e essa conexão em todas as oportunidades. Descobrimos em nossa pesquisa que existe o que chamamos de “espiral de silêncio do clima”. Por exemplo, os políticos não pensam que seus eleitores se preocupam com as mudanças climáticas, então não falam sobre isso. Mas o oposto é verdadeiro: mais de 75% dos norte-americanos acreditam que a mudança climática está acontecendo e mais da metade agora entende que é causada pelo ser humano. Há um consenso crescente entre o público, de que é real e precisa ser abordado. E é uma questão que pode levar à vitória e não à derrota. Estamos vendo cada vez mais plataformas de campanha de políticos locais optando por usar as palavras “mudanças climáticas” e propor soluções diretamente no nível local, porque é com isso que os eleitores se preocupam. É mais verdade, é claro, entre progressistas e liberais, mas também é verdade com os políticos do espectro mais conservador, particularmente em nível local.
 
JC - Há uma maneira de analisar se medidas dos governos estão indo pelo caminho certo? Penso que algumas vezes os políticos não colocam em prática o próprio discurso.
Fernandez - A maneira de um eleitor ver isso é: “O prefeito está fazendo o que disse que ia fazer? Colocaram a ciclovia?”. Tenho certeza de que o prefeito que está dizendo que vai fazer algo será punido e não será eleito novamente se não fizer. É isso que torna as mudanças climáticas tão importantes em nível local, porque é onde os eleitores sentem o maior impacto das políticas e podem responsabilizar seus líderes. Minha colega Karen Cito é uma das principais autoras, no relatório do IPCC que saiu recentemente, sobre as mudanças climáticas nas cidades. Sua pesquisa é fascinante e fala sobre como haverá um tremendo crescimento das cidades nos próximos 30 anos. E as cidades hoje já contribuem com cerca de 2/3 das emissões, portanto, será muito importante que pensem estrategicamente sobre como querem se desenvolver. O que vamos ver, se as lideranças forem progressistas nessa questão, é tornar as cidades densas, em vez de apenas tomar a terra e se espalhar. Construir em altura e preservar o espaço aberto que se tem. Isso será muito importante, e comunicar as razões para isso é algo que será estudado mais. Será muito, muito importante que as cidades continuem limitando cada vez mais suas contribuições para o aquecimento global, tornando-se mais caminháveis e amigas dos pedestres, que você possa ir a pé fazer as suas compras, ir a pé a eventos culturais, ir de bicicleta ao médico na clínica local, ir à escola sem precisar do carro. Ironicamente, as cidades mais antigas é que são assim, e mesmo as não tão antigas, mas que se desenvolveram muito antes da era do carro, são hoje as mais densas. Nova York também é uma das poucas cidades nos EUA onde não se precisa de carro, porque há um bom sistema de metrô. É o desenvolvimento orientado ao transporte coletivo (TOD, na sigla em inglês), pensando e implementando o transporte público para que as pessoas caminhem e não precisem mais do carro. Eu sei que o Brasil está fazendo um bom trabalho nisso, muito melhor do que estamos fazendo em nosso país.
 
JC - O que mais pode ser feito nas cidades para contribuir para frear o aumento da temperatura do planeta?
Fernandez - É muito importante que as cidades revertam sua contribuição para o aquecimento global, porque cerca de 2/3 das emissões de gases de efeito estufa são das cidades. A principal característica é tornar as cidades mais densas, o que significa cidades mais compactas e fáceis de percorrer, mais amigáveis a pé e de bicicleta, com ótimo transporte público ou empregos onde as pessoas vivem, serviços, compras e entretenimento todos próximos. Isso cria condições mais favoráveis ao clima, mas também reduz o tráfego e melhora a qualidade do ar. E conforme a cidade cresce, não acabar com espaços abertos que hoje são verdes, não “concretar” mais superfícies, não criar rodovias ou estacionamentos sem necessidade. A chave é pensar em preservar. Por exemplo, aumentando a cobertura da copa das árvores para evitar as ilhas de calor nas cidades.
 
JC - Pode explicar do que se trata?
Fernandez - O efeito de ilha de calor urbano é um fator em que a temperatura de uma área inteira além da cidade pode ser a mesma, mas é muito mais alta na cidade, porque todo o calor e a luz do sol são refletidos nas vias pavimentadas a ponto de torná-las mais quentes. Como exemplo, na minha cidade, New Haven, Connecticut, onde fica Yale, foi feito um esforço para plantar muitas árvores. Isso tem o benefício adicional de encorajar as pessoas a caminhar mais, porque se tem sombra elas não sentem que precisam entrar no carro com o ar condicionado, podem caminhar para ir à loja e coisas assim. É importante que nunca se perca de vista falar sobre mudanças climáticas e soluções em nível local, garantindo que a população esteja ciente da conexão entre os impactos das suas experiências e as soluções.

Perfil

Lisa Fernandez é Diretora Associada do Centro de Comunicação em Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Ela supervisiona a divulgação e as comunicações relacionadas aos resultados da pesquisa, a estratégia e as operações do programa. Formada em Princeton, tem MBA e Mestrado em Estudos Ambientais por Yale. Já trabalhou com conservação ambiental nas cidades e com desenvolvimento sustentável nos EUA e na América Latina. Atuou como consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e do Banco Mundial. Foi bolsista do World Wildlife Fund-EUA e trabalhou com planejamento implementando a política de resíduos sólidos para a cidade de Nova York. É co-autora de “Toward a New Consciousness: Values to Sustain Human and Natural Communities e Institutionalizing Sustainability in Higher Education”.

Falando em mudanças climáticas

81% dos brasileiros consideram o aquecimento global uma questão muito importante, mas apenas 1 em cada 5 acredita entender muito sobre o assunto. Os dados são da pesquisa nacional "Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros", contratada pelo ITS-Rio - Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, e realizada pelo Ipec - Inteligência em Pesquisa e Consultoria. Este é o segundo ano que o levantamento é divulgado e tem como referência trabalhos nas universidades de Yale e de George Mason.