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Opinião Econômica

Publicada em 24 de Novembro de 2025 às 17:18

A discordância é no juro real, não no crédito

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Samuel Pessôa
Há duas semanas, baseei-me em um artigo de André Lara Resende para elaborar as diferenças entre o Brasil e o Japão, que explicam o fato de a dívida pública ser elevada no Japão e não poder ser alta no Brasil.
Há duas semanas, baseei-me em um artigo de André Lara Resende para elaborar as diferenças entre o Brasil e o Japão, que explicam o fato de a dívida pública ser elevada no Japão e não poder ser alta no Brasil.
André afirmou, em artigo no Valor Econômico em 19 de novembro, que eu confundi crédito com poupança. Tive dificuldade de acompanhar a argumentação de André. Simplesmente não tratei de crédito na coluna. A limitação de espaço requer seletividade nos temas.
Na economia clássica, a poupança eram as sementes que um agricultor guardava para a safra seguinte. Sem sementes, não era possível semear. No mundo clássico, haver um fundo de poupança é pré-requisito para produzir.
Keynes nos ensinou que, em uma economia monetária, é o investimento que precede a poupança. Esse fato está incorporado em todos os modelos monetários dos bancos centrais para operacionalizar o regime de metas de inflação.
Seja por meio de criação de moeda, seja por meio de criação de crédito, é possível criar poder de compra do nada. Com poder de compra em mãos, o empresário toma as decisões de investimento. A causalidade é das decisões de gasto, consumo e investimento, para a determinação da renda nominal.
Se a economia operar a pleno emprego, uma elevação do gasto gerará aumento da inflação ou piora do déficit externo ou ambos. No capítulo 12 da "Teoria Geral", Keynes rejeitou a teoria neoclássica da taxa de juros, escrevendo que a taxa é o preço da liquidez e está associada ao risco —em outro capítulo ele dá tratamento diferente.
A teoria convencional, como chama André, não incorporou essa contribuição de Keynes nos seus modelos. Para nós, a taxa real de juros, como nos ensinou Irving Fisher, é o preço relativo entre o futuro e o presente. Se os juros reais são elevados, o presente é caro, e o futuro, barato; e vice-versa se forem baixos.
Sociedades de juros reais de curto prazo elevados apresentam sistemas previdenciários generosos, gasto público que cresce mais rapidamente do que a economia e baixa taxa de poupança. O inverso ocorre em sociedades de juros baixos. Juros reais de curto prazo elevados sinalizam potencial excesso de demanda sobre a oferta. Os juros se elevam para equilibrar o mercado.
Para o pensamento convencional, o preço da liquidez é dado pelo prêmio de alongamento do prazo de vencimento de uma dívida. Em geral, o Tesouro Nacional paga juros maiores em um título prefixado de dois anos, por exemplo, do que os juros de curto prazo, acumulados a juros compostos para os próximos dois anos.
A diferença — que, como vimos, se chama prêmio de alongamento do prazo de vencimento de uma dívida — deve-se ao risco de que entrementes o poupador precise da liquidez e tenha de vender o título no mercado secundário. Há risco de que o preço do título seja menor do que o pago na sua compra. Elaborei esse ponto na segunda parte da última coluna.
Em uma economia em que o presente em relação ao futuro é caro e na qual o risco é alto, os juros reais de longo prazo serão elevados por dois motivos: os de curto prazo serão altos, pois as instituições encarecem o presente relativamente ao futuro; e o prêmio de alongamento do prazo médio de vencimento de uma dívida será elevado.
Esse é o caso do Brasil.
*Samuel Pessôa é pesquisador do BTG Pactual e do FGV IBRE e doutor em economia.
 

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