Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'
Nas últimas décadas, houve muitas reformas favoráveis ao crescimento econômico, ao reequilíbrio das contas públicas e à estabilidade de preços: Lei de Responsabilidade Fiscal, três reformas previdenciárias, a trabalhista e a tributária, autonomia do Banco Central, o novo marco do saneamento, privatizações importantes, entre outras.
Porém, continuamos crescendo pouco, acumulando dívida pública e dependendo de juros estratosféricos para segurar a inflação. O que deu errado?
O problema é que os três Poderes têm sido prolíficos na produção de contrarreformas.
É o caso da fragilização da lei das estatais, quando o STF viabilizou a nomeação de políticos para as empresas. Ou da volta da gratuidade nas custas judiciais em processos trabalhistas, que incentiva litigância oportunista e sobrecarrega as empresas e a Justiça.
A redução de subsídios em empréstimos de bancos públicos, com a criação da TLP, em 2017, está sendo minada por novos subsídios criados pelo Executivo.
A bem-sucedida flexibilização de exigências de conteúdo local em políticas públicas licitação de campos de petróleo, crédito público subsidiado -, que aumentou a receita pública e a concorrência, elevando investimentos, também tem sido revertida.
A economia fiscal da reforma da Previdência está sendo jogada fora pela concessão de aumentos reais no valor do benefício básico, pelo Executivo, e pela aprovação, no Legislativo, de projetos criando aposentadorias especiais, como no caso da PEC dos agentes de saúde. A criação do regime de
Microempreendedor Individual agravou sobremaneira o desequilíbrio previdenciário.
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi desmoralizada pela revogação tácita do art. 35, que proibia a União de socorrer estados e municípios, e pelo desrespeito às regras de explicitação e compensação de custos criados por novas leis.
A cada benefício fiscal que se consegue, a duras penas, extinguir, outro é criado.
O Legislativo promoveu a metástase das emendas parlamentares e um aumento excessivo da complementação da União ao Fundeb.
A regulação do setor de energia foi capturada por lobbies, que extraem subsídios e reservas de mercado para suas empresas, elevando o custo de um insumo essencial à competitividade. A mesma lei que aprovou a privatização da Eletrobras - uma boa reforma - promoveu distribuição injustificada de privilégios.
As agências reguladoras, órgãos de Estado fundamentais para a estabilidade e qualidade da regulação econômica, foram capturadas politicamente, em ação conjunta do Executivo e do Legislativo.
Decisões judiciais alargaram a clientela de programas sociais, sem se preocupar com os incentivos distorcidos e custos que delas decorrem, como nos casos recentes de decisões do STF sobre o salário-maternidade e a concessão de BPC a mulheres vítimas de violência doméstica.
Foi estancado, pelo Executivo, o processo de privatização ou extinção de estatais como Correios e Ceitec, que continuam sendo um fardo fiscal.
A reforma tributária reduzirá custos e incentivará investimentos e a alocação racional de capital. Mas já nasceu com o sobrepeso de inúmeros tratamentos especiais e aumento de despesa decorrente de novas transferências a estados e municípios.
Seguimos dando passos para a frente e para trás. Até o momento, isso foi suficiente para evitar que caíssemos em uma tragédia argentina. Mas está longe de garantir um futuro promissor.