Lorena Hakak, doutora em economia e professora da FGV. Atua como presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero)
O Brasil mudou, e muito, nos últimos 20 anos. Para afirmar isso, porém, precisamos de mais do que fatos anedóticos. É necessário dispor de informações baseadas em dados sobre a população brasileira. Felizmente, depois de quase três anos de espera ansiosa, tudo indica que os microdados do Censo Brasileiro de 2022 serão finalmente liberados no próximo mês. O que é possível trazer nesta coluna, por ora, são informações agregadas já divulgadas pelo próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A decisão de viver em união conjugal ou de ter filhos é individual e depende de fatores, como preferências, legislação, nível de escolaridade, normas sociais, carreira e rede de apoio. Segundo o Censo, as famílias formadas por casais com filhos representavam, em 2000, 56,4% do total, proporção que caiu para 42% em 2022. Nesse período, os casais sem filhos passaram de 13% para 24,1%, enquanto a proporção de mulheres sem cônjuge e com filhos aumentou de 11,6% para 13,5%. Essas mudanças se refletem na taxa de fecundidade, que em 2022 atingiu seu menor nível de 1,55 filho por mulher.
Em geral, a união conjugal antecede a chegada dos filhos. No Brasil, a idade média na primeira união passou de 24,1 anos em 1980 para 25 anos em 2022, enquanto a idade média das mulheres ao terem filhos aumentou de 26,3 para 28,1 anos. Ou seja, os dados brasileiros parecem confirmar o que se observa em outros lugares: um adiamento da maternidade e redução do número de filhos.
A literatura acadêmica apresenta ampla evidência da existência de uma penalidade pela maternidade. Após terem filhos, as mulheres, em média, enfrentam redução de rendimentos e menor participação no mercado de trabalho. Antes da maternidade, porém, a trajetória no mercado de trabalho tende a ser semelhante entre homens e mulheres. Essa penalidade surge sobretudo à medida que as economias se desenvolvem, migrando de sistemas de subsistência para economias baseadas na indústria e nos serviços.
A parentalidade muitas vezes está associada ao casamento. Surge, então, a questão: essa penalidade começa já no casamento? Segundo o artigo "The Child Penalty Atlas", de Henrik Kleven, Camille Landais e Gabriel Leite-Mariante, alguns países observam não apenas a penalidade da maternidade, mas também o que os autores chamam de penalidade do casamento. Nesses contextos, as mulheres podem enfrentar ambas as penalidades, do casamento e da maternidade. O estudo investiga como a presença dessas penalidades se traduz em menor participação das mulheres no mercado de trabalho.
Os autores introduzem o conceito de penalidade da família, que engloba as penalidades da maternidade e do casamento. No Brasil, essas penalidades, quando estimadas separadamente, são elevadas: a da maternidade chega a 37% para o primeiro filho, enquanto a do casamento atinge 57%. Na China, por exemplo, a penalidade do casamento é de 18%. Quando estimados conjuntamente, esses efeitos podem reduzir o emprego feminino no Brasil em até 70%. Já na Inglaterra, por exemplo, a penalidade conjunta é de aproximadamente 30% e é explicada exclusivamente pela penalidade da maternidade.
Pode ser que a rápida redução da fecundidade observada no país esteja relacionada à penalidade pela maternidade. No entanto, os autores documentam que essa penalidade começa bem antes, já na formação da família. Segundo eles, uma possível interpretação é que a penalidade do casamento antecipa, de alguma forma, a da maternidade, uma vez que a formação familiar geralmente antecede a chegada dos filhos.
Mudanças na legislação e novas políticas públicas podem contribuir para reduzir as penalidades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho. A votação na Câmara dos Deputados, na semana passada, do projeto de lei que amplia a licença-paternidade de cinco para 20 dias pode representar um passo importante nessa direção. A própria sinalização da lei acompanha as transformações das últimas décadas, marcadas pelo aumento da participação feminina no mercado de trabalho e pela necessidade de uma divisão mais equilibrada dos cuidados entre mães e pais.