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Opinião Econômica

Publicada em 16 de Outubro de 2025 às 19:22

Risco volta a ter preço com nova era dos juros longos

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Agências
Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management
Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management

Após mais de uma década de compras maciças de títulos públicos pelos bancos centrais, o mundo entra em uma nova fase. O movimento de quantitative tightening (QT) -reversão dos programas de compra de ativos (QE) iniciados após a crise financeira global- tende a se acelerar, encerrando um ciclo que comprimiu artificialmente os juros longos e reduziu o custo da dívida para governos em todo o mundo.
Em artigo recente, o secretário do Tesouro dos EUA argumentou que o Fed precisará reduzir de forma mais consistente o tamanho de seu balanço, para restaurar o bom funcionamento dos mercados e diminuir a dependência estrutural entre política fiscal e monetária. Balanços excessivamente grandes, além de distorcer o sistema financeiro, criam uma interdependência perigosa entre governos altamente endividados e bancos centrais que, na última década, tornaram-se seus principais financiadores indiretos.
O estudo "The Demand for Government Debt" (BIS, 2023) dimensiona a magnitude dessa mudança. De 2000 a 2022, Fed, Banco Central Europeu, Banco do Japão e Banco da Inglaterra passaram de atores marginais a detentores de dois terços da dívida pública global. Essa intervenção foi crucial para comprimir o "term premium" -prêmio exigido pelos investidores para carregar títulos longos- a níveis historicamente baixos, permitindo que governos se financiassem em condições excepcionalmente favoráveis.
A redução dos balanços devolve ao mercado o papel de precificar o risco de duração e transfere aos investidores privados (bancos, fundos e seguradoras) a tarefa de absorver a crescente oferta de títulos. Diferentemente dos bancos centrais, esses agentes operam com restrições de balanço e exigem compensações maiores para assumir risco de longo prazo, o que resulta em prêmios de prazo positivos, curvas mais inclinadas e maior volatilidade nas taxas longas.
Essa transição ocorre, no entanto, em um cenário fiscal frágil. As principais economias desenvolvidas combinam dívida pública em patamares historicamente elevados -120% do PIB nos EUA, 90% na zona do euro, 100% no Reino Unido e mais de 230% no Japão. Com a retirada dos bancos centrais, o custo marginal da dívida volta a ser uma variável-chave para a sustentabilidade fiscal.
Há ainda fatores adicionais que restringem a demanda por títulos longos. O envelhecimento populacional reduz o peso relativo dos poupadores de longo prazo e amplia o protagonismo de investidores com horizonte mais curto (como fundos de crédito, private equity e hedge funds), os quais são mais sensíveis à volatilidade e menos dispostos a carregar risco de duração. Ao mesmo tempo, em um contexto de juros curtos elevados, fundos de pensão e seguradoras conseguem cobrir passivos com menor exposição, reduzindo o apetite por papéis de longos.
Durante anos, o QE funcionou como uma anestesia: ao absorver títulos em larga escala, os bancos centrais suavizaram o impacto dos déficits sobre as taxas de juros e criaram a ilusão de que o custo da dívida era estruturalmente baixo. Essa anestesia, porém, está chegando ao fim. O QT expõe o verdadeiro preço do risco e recoloca a política fiscal no centro do debate macroeconômico.
A combinação de oferta crescente de títulos e demanda estruturalmente mais seletiva inaugura um novo regime de juros longos mais exigente -e menos complacente. Nesse novo ambiente, a credibilidade fiscal volta a ser a âncora essencial das taxas de juros e o antídoto contra a instabilidade.

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