Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management
Desde o fim do ano passado, quando o dólar chegou a R$ 6,30, até bater abaixo de R$ 5,30, o real se valorizou mais de 15%. Esse movimento, no entanto, não foi exclusivo do Brasil: diversas moedas emergentes também se fortaleceram diante da fraqueza global do dólar, reflexo da sinalização do Federal Reserve de cortes graduais de juros em resposta à desaceleração do mercado de trabalho americano.
Esse ambiente externo explica a valorização cambial, mas não deve ser confundido com uma melhora dos fundamentos domésticos. Pelo contrário, a política fiscal brasileira se deteriorou ainda mais neste período.
A trajetória da dívida pública segue pressionada por medidas que fragilizam o arcabouço fiscal e reduzem sua credibilidade. A aprovação, em regime de urgência, de dois projetos de lei é o sinal mais evidente de que não há percepção, no Congresso, de nossa vulnerabilidade.
O primeiro retira despesas de educação e saúde do limite de gastos, desde que financiadas pelo Fundo Social do Pré-sal, recurso que poderia ser usado para abater dívida. O segundo, apresentado pelo TCU, propõe a criação de verba indenizatória que pode turbinar salários de servidores da corte, indo na contramão do debate da reforma administrativa.
Ao longo dos últimos meses, temos assistido a uma proliferação de anúncios de créditos subsidiados -para reformas habitacionais, compra de equipamentos com conteúdo nacional, entre outros- utilizando recursos orçamentários que estão fora do Orçamento. Desde que o Tesouro foi proibido de emprestar ao BNDES, uma nova estratégia de política parafiscal foi criativamente construída.
Já o pacote de mitigação do "tarifaço" introduziu custos ocultos via créditos extraordinários e renúncias fora da meta primária, enquanto a PEC 66/2023 flexibilizou precatórios e refinanciou débitos previdenciários dos entes subnacionais, empurrando pressões para o futuro.
A sucessão de exceções ao teto de gastos e a aprovação de medidas que ampliam despesas obrigatórias corroem ainda mais a credibilidade do regime fiscal. Decisões judiciais, como a ampliação do acesso ao BPC e ao salário-maternidade, aumentam a rigidez orçamentária.
No âmbito do Projeto de Lei Orçamentária Anual apresentado para 2026, repetimos o artifício de buscar receitas extraordinárias, como a antecipação de receitas do petróleo e o programa especial de transação tributária. Despesas de instituições como Ipea, IBGE e órgãos ligados à AGU e ao TCU foram retiradas do teto. Nesse ambiente, não será surpresa se o projeto de isenção do IR avançar sem a devida compensação integral.
O desafio é que, mesmo que o governo cumpra as metas atuais em 2027, elas não só se mostram insuficientes para estabilizar a dívida como carregam inúmeras exceções.
A taxa de câmbio pode ter se valorizado, mas a credibilidade fiscal segue em processo de desvalorização, refletida nas taxas de juros reais de longo prazo.
Em novembro de 2019, logo após a reforma da Previdência, a NTN-B com prazo médio de 10 era negociada a IPCA + 3,1% ao ano. Hoje, gira em torno de IPCA + 7,5%. O contraste mostra como reformas estruturais reduziram prêmios de risco no passado, enquanto a atual sucessão de medidas que enfraquecem o arcabouço devolveu o país a patamares incompatíveis com uma economia emergente estável.
Sem um plano crível de consolidação fiscal, o Brasil continuará desperdiçando a oportunidade de transformar um ambiente externo favorável em ganhos permanentes de credibilidade e crescimento.