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Opinião Econômica

Publicada em 16 de Setembro de 2025 às 19:00

Concentração de riqueza afeta o crescimento?

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Agências
Michael França, ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford
Michael França, ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford

Se a riqueza acumulada por alguns fosse o motor do progresso, as décadas que estamos vivendo poderiam ser vistas como a época de ouro do capitalismo. Nunca houve tantos bilionários e nunca o dinheiro esteve tão concentrado no topo. E, ainda assim, a promessa de que a prosperidade escorreria para todos não tem se cumprido. O que as evidências mostram é que, quando aquilo que se convencionou chamar de riqueza se acumula demais nas mãos de poucos, o crescimento perde força.
Pense nisto por um instante. O que acontece quando só uma parte da economia é irrigada, enquanto o restante fica à míngua? Como num campo fértil, a área favorecida vai florescer exuberantemente, mas o resto seca e a colheita total diminui. É exatamente isso o que ocorre em países que, como o Brasil, permitem a concentração extrema de riqueza. No final, quer você goste ou não, os números teimam em mostrar que mais desigualdade hoje significa menos crescimento amanhã.
Nos anos 1990, Torsten Persson e Guido Tabellini, assim como Alberto Alesina e Dani Rodrik, já haviam identificado uma correlação negativa entre desigualdade e crescimento. Relatórios posteriores do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reforçaram a conclusão de que sociedades mais igualitárias crescem mais, crescem por mais tempo e crescem de forma mais estável.
O influente estudo "Redistribution, Inequality, and Growth" (2014), do FMI, mostrou que sociedades mais desiguais crescem menos e que redistribuir renda não atrapalha o crescimento, podendo até fortalecê-lo.
Um ano depois, outro trabalho do próprio FMI ("Causes and Consequences of Income Inequality: A Global Perspective") quantificou o efeito. Se os 20% mais ricos capturam 1 ponto percentual a mais da renda, o PIB per capita cai, em média, 0,08 ponto percentual ao ano. Já quando esse mesmo ponto percentual vai para os 20% mais pobres, o crescimento sobe 0,38 ponto percentual.
A OCDE também estimou o preço da desigualdade para o crescimento. No relatório "In It Together: Why Less Inequality Benefits All", de 2015, com base em 19 países, calculou que entre 1990 e 2010 o PIB per capita cresceu 28%, mas teria alcançado 33% se a desigualdade não tivesse aumentado depois de 1985. Em outras palavras, cinco pontos percentuais de crescimento foram sacrificados em nome da concentração de renda.
Já Markus Brueckner e Daniel Lederman, em um estudo do Banco Mundial publicado em 2018, estimaram que, em países de renda média, como é o caso brasileiro, cada aumento de um ponto no coeficiente de Gini pode reduzir em mais de 1 ponto percentual o crescimento do PIB per capita em cinco anos.
Perceba que, no fim, a concentração de riqueza nas mãos de alguns poucos pode até erguer alguns castelos, contudo, no longo prazo, não sustenta civilizações. O crescimento sólido acontece quando a sociedade inteira participa, investe e colhe os frutos. Ignorar essa lição da história é condenar o futuro desses próprios castelos construídos em terrenos áridos.

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