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Opinião Econômica

Publicada em 09 de Setembro de 2025 às 19:13

Juízes interpretam a lei ou formulam políticas?

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Agências
Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BoCom BBM e professora do departamento de economia da PUC-Rio
Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BoCom BBM e professora do departamento de economia da PUC-Rio

Em 2021, o então ministro Paulo Guedes usou a metáfora de um "meteoro" para descrever os precatórios de 2022 -estimados em R$ 90 bilhões- como um evento de grande impacto, porém raro.
Após quatro anos, o problema permanece. A solução proposta agora, que limita os valores dos precatórios na meta de primário nos próximos dez anos, é claramente insatisfatória, já que só camufla um fenômeno bem mais complexo: por que as despesas decorrentes de decisões judiciais aumentaram tanto?
Estudo do Insper mostra que os precatórios federais que vieram à tona são a ponta de um iceberg muito maior. Representam 30% de todas as despesas do governo federal oriundas de judicialização, que incluem sentenças pagas diretamente no Orçamento, sem expedição de precatórios, como os benefícios previdenciários e assistenciais, e compensações tributárias, que são abatidas do imposto de exercícios futuros. Ao todo, as sentenças judiciais alcançaram ao menos R$ 365 bilhões em 2023, 3,2% do PIB e 12,6% das despesas primárias totais.
E há mais por vir. As estimativas do Anexo de Riscos Fiscais apontam para demandas judiciais de risco provável -quando a probabilidade de perda por parte da União é alta- de R$ 1 trilhão, e as de risco possíveis -quando a probabilidade de perda não é alta, mas considerável- chegam a R$ 2,25 trilhões. Essas decisões não apenas impactam o Orçamento como distorcem o desenho das políticas públicas, tornando-as menos eficientes.
Dois casos recentes ilustram como o Judiciário vem realizando escolhas redistributivas com custos de oportunidade significativos, a exemplo da expansão dos critérios de acesso para o salário-maternidade e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Em ambos os casos, o STF decidiu sobre parâmetros de políticas públicas, que, apesar de estarem claramente especificados na legislação, receberam interpretação alargada nas suas decisões.
No caso do salário-maternidade, decisão de 2024 do STF declarou inconstitucional a carência de dez contribuições mensais para que trabalhadoras autônomas pudessem ter direito ao benefício. Com isso, as mulheres poderão receber o benefício com uma única contribuição. A decisão resulta em despesa adicional de R$ 12 bilhões já em 2026. E transforma o salário-maternidade em política de renda assistencial para todas as mães, bem diferente do propósito original, que visava fomentar a permanência das mulheres em seus empregos após o nascimento dos filhos.
No caso do BPC, o STF firmou entendimento de que mulheres vítimas de violência passariam a ser elegíveis ao benefício, apesar de ele ter sido criado para atender idosos e deficientes em situação de pobreza. A decisão, que não veio amparada por nenhuma estimativa de custos, tem tudo para se expandir às mulheres com filhos pequenos do Bolsa Família, que recebem um valor de assistência bem menor que as mulheres vítimas de violência. Ou seja, reduz o escopo do Bolsa Família, que eventualmente passará a ser substituído por um programa de alto custo e baixa efetividade e que não leva em conta o tamanho e composição das famílias com crianças.
As decisões tomadas pelo Judiciário não podem considerar apenas a pessoa ou o grupo que se beneficia delas. Os recursos públicos são escassos, e as demandas sociais são inúmeras. É por isso que cabe ao Executivo e Legislativo definirem quais políticas devem ser priorizadas no Orçamento, levando em conta as necessidades e preferências da sociedade, e munidos de informações técnicas sobre a efetividade e sobre os custos dos programas.
Tudo aquilo que o Judiciário não é capaz de ponderar nas suas decisões.

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