Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management
O debate sobre política monetária costuma se limitar à taxa básica de juros. No entanto, para compreender de maneira mais abrangente as condições financeiras de uma economia, é fundamental observar a inclinação da curva de juros. Esse indicador reflete, de forma mais precisa, como os custos de financiamento -tanto para investimentos produtivos quanto para crédito ao consumo- se distribuem ao longo do tempo. São essas taxas que de fato influenciam as decisões de empresas e famílias e, consequentemente, o ritmo da atividade econômica.
Embora não controlem diretamente os juros de longo prazo, os bancos centrais conseguem influenciá-los com instrumentos como o forward guidance, que orienta o mercado com sinalizações claras sobre a condução da política monetária, reduzindo incertezas e alinhando expectativas. Ou com a gestão do balanço: no quantitative easing (QE), a compra de títulos de médio e longo prazo eleva seus preços e reduz os rendimentos, achatando a curva; já no quantitative tightening (QT), ocorre o oposto. Essas ferramentas, amplamente usadas na crise de 2008 e na pandemia, só são eficazes quando associadas a um compromisso crível com a estabilidade de preços; caso contrário, podem ser vistas como uma tentativa de aliviar a dívida pública, alimentando a inflação e elevando os prêmios de risco.
Daí decorre a relevância da independência dos bancos centrais. Sempre que há sinais de subordinação da política monetária a objetivos fiscais, as expectativas se deterioram e a curva tende a se inclinar. No limite, instala-se o risco de repressão financeira. Esse mecanismo foi observado no pós-guerra, quando Estados Unidos e Reino Unido forçaram instituições a manter grande parte de seus ativos em títulos de baixa remuneração, e também em economias emergentes nas décadas de 1980 e 1990, com controles de capitais e restrições à alocação de fundos de pensão. Embora tais medidas tenham reduzido temporariamente o custo da dívida, elas corroeram a confiança, pressionaram a inflação e se mostraram insustentáveis.
Nos Estados Unidos, o tema voltou ao centro das atenções diante de questionamentos sobre a autonomia do Federal Reserve, especialmente em um cenário de déficits persistentes e endividamento crescente. Discute-se até que ponto o Fed pode tolerar níveis mais altos de inflação e recorrer novamente ao QE como instrumento de acomodação da dívida. Esse ambiente traz à tona o risco de a política monetária ser condicionada pela necessidade de estabilizar as contas públicas, minando credibilidade, inclinando a curva e dificultando o controle de preços. Como a confiança no Fed sustenta não apenas a economia doméstica, mas também o status do dólar e dos Treasuries como principais ativos de reserva global, as implicações podem ser profundas.
No Brasil, também há incertezas quanto à autonomia do Banco Central, mas o risco predominante está ligado à fragilidade fiscal. A autoridade monetária vem construindo credibilidade e avançando na difícil tarefa de reancorar as expectativas inflacionárias. Ainda assim, a elevada dívida pública mantém os prêmios de risco elevados.
Apesar de a Selic estar em um patamar fortemente contracionista, a curva de juros segue praticamente estável para o médio e longo prazo. Em circunstâncias usuais, seria natural observar uma queda mais expressiva das taxas ao longo do tempo. Sem avanços em reformas estruturais e consolidação fiscal, o receio de dominância não sairá do radar, restringindo o potencial de expansão da economia.