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Opinião Econômica

Publicada em 04 de Setembro de 2025 às 00:25

Prezados gestores, 'pecunia olet'

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Agências
Marcos de Vasconcellos, jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado
Marcos de Vasconcellos, jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado
Além de ter iniciado a construção do Coliseu, o imperador romano Vespasiano deixou de herança o ditado "pecunia non olet", o famoso "dinheiro não tem cheiro". Na ocasião, justificava a cobrança de impostos sobre banheiros públicos, mas a máxima virou desculpa para aceitar pagamentos, independentemente de sua origem.
Quem não passou a última semana em Júpiter deve ter notado que a operação batizada de Carbono Oculto deixou clara a diferença entre um ditado popular e o mundo real. Ainda é uma investigação, sem processo ou condenação, mas as informações divulgadas mostram que foi possível farejar o caminho do crime organizado até o coração do mercado financeiro.
Pelas acusações, um esquema de fraudes em postos de gasolina, envolvendo a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), direcionou coisa de R$ 30 bilhões a cerca de 40 fundos de investimento, por meio de fintechs (espécie de bancos digitais) e gestoras. A movimentação serviria para dissimular a origem criminosa do dinheiro e fazer a chamada "lavagem".
Instituições financeiras não são meras ferramentas, caixas que recebem quantias. A legislação é clara ao determinar as normas de "Conheça seu cliente", ou "KYC", na sigla em inglês. E quem não as segue deliberadamente pode ser considerado partícipe de crimes financeiros.
Na literatura de prevenção à lavagem de dinheiro, obrigatória em qualquer certificação do mercado financeiro, aprende-se que a lavagem tem três fases: colocação, quando os recursos ilícitos entram no sistema financeiro, a partir de compras, por exemplo; ocultação, com a movimentação para "embaralhar" a trilha dos ativos; e integração, com o uso lícito do dinheiro já "lavado".
Se o banco, a corretora, a gestora ou a fintech não fazem o dever de casa para identificar a origem da riqueza que movimentam, jogam do lado de lá da legalidade. A lei 9.613/1998 obriga, há mais de duas décadas, a comunicação de operações suspeitas, sem falar em resoluções do Conselho Monetário Nacional, instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou código de regulação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Nesse mercado, o que parece bom demais para ser verdade normalmente não é verdade. E quem tem apetite demais ao risco, de olho em retornos irreais, costuma trocar os pés pelas mãos.
É curioso que neste mesmo espaço eu já tenha apontado problemas gerados para investidores por jogadas vorazes de duas das gestoras de fundos citadas na Operação Carbono Oculto (ainda em estágio inicial e sem julgamento): a Trustee DTVM e a Reag Investimentos.
A primeira foi responsável por uma disparada artificial de preços das ações da Ambipar. A outra fez numa operação de guerra para assumir o controle da GetNinjas, empresa cujo valor murchou logo após ela pegar R$ 1 bilhão de investidores. A Reag mudou o nome da companhia, mexeu no tabuleiro e os papéis seguem perdendo valor, até agora.
Se tudo der certo, as investigações seguirão seu rumo, separando inocentes e culpados. Fica um bom recado: "pecunia olet". Não é possível tapar o nariz para o cheiro do dinheiro, ainda que de um escritório na Faria Lima, longe da cena do crime. A indústria de fundos administra R$ 10 trilhões em patrimônio líquido - 85% do PIB brasileiro -e precisa ser bem cuidada.

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