Bráulio Borges
Em apresentação recente que realizei na Rio Climate Week, mostrei diversos indicadores que revelam de forma indubitável as diversas mudanças climáticas que vêm ocorrendo mundo afora, além de também apresentar estimativas de seus efeitos negativos correntes e esperados sobre a economia e bem-estar social. Ao elaborar a apresentação, constatei que foi interrompida a divulgação de um dos indicadores que eu costumava acompanhar: as estimativas dos prejuízos monetários causados pelos desastres naturais e choques climáticos na economia dos EUA.
Esses números, preparados pela NOAA -agência governamental norte-americana criada nos anos 1970 para estudar os oceanos, a atmosfera e as áreas costeiras-, apontam uma elevação expressiva desses prejuízos, saindo de cerca de US$ 25 bilhões anuais na década de 1990 para algo mais próximo dos US$ 150 bilhões a US$ 170 bilhões nos anos mais recentes (valores já atualizados pela inflação dos EUA).
O que aconteceu? O novo governo de Donald Trump simplesmente ordenou que essas estimativas parassem de ser publicadas em maio. Ademais, há um aviso no site da NOAA indicando que alguns serviços serão temporariamente interrompidos, por várias semanas (grifo meu). Convém lembrar que a NOAA é uma das principais referências no mundo no que toca à previsão de fenômenos atmosféricos, como El Niños e La Niñas (os quais assombram a produção agrícola brasileira).
Mas o negacionismo climático de Trump não parou nisso. No fim de julho, o Departamento de Energia (DoE) divulgou um relatório com uma análise crítica das mudanças climáticas. Embora o documento não seja totalmente terraplanista -"a mudança do climática é real e merece atenção"-, ele aponta que parte disso não se deve à ação humana (queima de combustíveis de origem fóssil), bem como que os efeitos dessas mudanças não são tão negativos. Segundo o relatório, a pobreza energética é um problema mais urgente (como se houvesse um dilema entre a pobreza energética e a agenda de transição energética).
Esse relatório, preparado por cinco cientistas, contrariou em diversos aspectos a mais recente avaliação do IPCC da ONU, publicada em sua forma final há dois anos, com as contribuições de mais de 700 cientistas do mundo todo. Os cinco cientistas foram escolhidos "a dedo", bem como os argumentos citados no relatório (usando a técnica do "cherry picking", escolhendo só os argumentos e números que são favoráveis para defender uma determinada crença).
Não custa lembrar, ademais, que o atual secretário do DoE, Chris Wright, não é exatamente alguém isento: ele foi presidente da segunda maior empresa de exploração de shale oil/gas nos EUA. Como disse uma historiadora da ciência da Universidade Harvard, Naomi Oreskes, "o negacionismo climático agora é a política oficial do governo dos EUA".
Mundo afora -e também aqui no Brasil - os negacionistas comemoraram esse novo relatório "científico", na medida em que agora eles passam a contar com o endosso do todo-poderoso Departamento de Energia dos EUA. Muitos deles parecem esquecer que, hoje, gerar eletricidade a partir de fontes renováveis é mais barato do que a partir de fontes fósseis -com a vantagem de que sol e vento estão disponíveis em boa parte do mundo. Também parecem esquecer que o setor de petróleo ainda conta com vultosos subsídios, de mais de US$ 600 bilhões por ano no mundo. Seria esse setor tão competitivo sem esses incentivos governamentais?
Doutorando em economia da FGV EESP, mestre em economia na FEA-USP, é diretor da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV Ibre