Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management
A trajetória fiscal nos últimos anos evidencia uma perda gradual de confiança nos mecanismos de disciplina orçamentária. Esse processo foi motivado não só pela dificuldade de cumprimentos das regras mas também pelas tentativas de contornar suas restrições. O teto de gastos, implementado em 2016, e o limite de despesas, introduzido em 2023 com o novo arcabouço fiscal, têm sido corroídos por medidas excepcionais (mais no nome do que de fato).
Hoje, além de um teto de despesas fragilizado, convivemos com metas de resultado primário incapazes de assegurar previsibilidade e sustentabilidade da dívida pública. Definidas a partir de premissas excessivamente otimistas, essas metas não são percebidas como compromissos sólidos. Tornaram-se, elas próprias, objeto de sucessivas brechas.
O episódio mais recente, relacionado às medidas de compensação do chamado "tarifaço", ilustra esse processo de desgaste. Pressionado a conter o impacto das tarifas, o governo anunciou iniciativas que, na prática, elevam o gasto fora da lógica do arcabouço -tanto no limite de despesas quanto na apuração do primário.
Mesmo que se trate de choque adverso, é difícil sustentar que esse componente deveria ser excluído do resultado fiscal. Além disso, o próprio desenho da meta já prevê margens de tolerância para acomodar imprevistos. A forma como o projeto de lei foi redigido abre espaço para que os fundos destinados a conceder crédito subsidiado sejam ampliados com sucessivas capitalizações no futuro. Para completar, os custos implícitos nessas operações não são transparentes, tampouco estimados.
A percepção hoje é que o regime fiscal se tornou maleável demais, adaptado às pressões políticas. Quando exceções se transformam em rotina, desaparece a previsibilidade. Investidores deixam de enxergar as metas como parâmetros críveis e passam a tratá-las como declarações de intenção, destituídas de força normativa.
O mercado e o próprio governo encaram 2025 e 2026 como anos de transição, marcados por déficits persistentes e por uma dívida bruta que se aproxima de níveis mais arriscados. A expectativa é que, só em 2027, o País se veja diante da necessidade de enfrentar a rigidez dos gastos obrigatórios e do esgotamento do espaço para manobras contábeis e de discutir reformas estruturais que devolvam confiança à política fiscal.
Essas reformas precisarão ser aprovadas em um ambiente institucional mais desafiador do que aquele de 2017, quando o país viveu seu mais recente ciclo reformista. As emendas impositivas conferem ao Congresso um poder considerável, dificultando a negociação de uma agenda coerente por parte do Executivo. No mais, o ambiente no Judiciário permanece instável e fragmentado, elevando a percepção de insegurança e impondo obstáculos adicionais à previsibilidade econômica e à confiança institucional.
Se a correção vier de forma organizada, por meio de uma agenda que reduza a rigidez orçamentária, combinada com uma capacidade política significativa, preservaremos a estabilidade. Caso contrário, o ajuste será imposto pelas circunstâncias: crescimento mais baixo, inflação em aceleração e risco de dominância fiscal, em que juros mais altos já não ancoram expectativas e medidas de repressão financeira voltam ao horizonte. É por isso que 2027 aparece como ponto de inflexão inevitável: ou o país escolhe uma transição planejada ou será forçado a um reequilíbrio desordenado e doloroso.